O FILÓSOFO DO AMOR & OS EVENTOS PAPO-CABEÇA


22/05/2010

        O filósofo e ex-ministro da Educação da França, Luc Ferry, encerrou ontem o 6º Fórum Político Unimed/RS, apontando que o amor e a sustentabilidade mudarão a política e constituirão uma nova revolução mundial. O jornalista Juremir Machado, que fez a mediação da palestra do filósofo com a participação do crítico literário Antônio Hoffeldt, em sua coluna do Correio do Povo forneceu mais informações sobre o palestrante ilustre: Luc Ferry ficou conhecido por ter feito aprovar a lei que proíbe o uso de símbolos religiosos em escolas públicas de ensino fundamental e médio. Luc foi namorado de Carla Bruni, e trocou-a por outra mais jovem e mais bonita. Foi ele quem apresentou Carla Bruni ao presidente da França Nicolas Sarkozi. Luc tem seus livros publicados em 40 países, sendo que o "Aprender a Viver" já vendeu mais de 700 mil exemplares.

         Destes grandes eventos “papo-cabeça” que se realizam em Porto Alegre, a exemplo do “Fronteiras do Pensamento”, pouco ficamos sabendo, só respinga pela imprensa frases prontas para nós, o grande público submetido ao jugo do trabalho e monitorados pelo relógio ponto, os excluídos deste mundo seleto dos intelectuais. Assim como há quem pague vultosas granas para assistir shows noturnos de mega-estrelas do pop-rock, há também quem (como eu) gostaria de ouvir as palestras diurnas dos grandes pensadores vivos contemporâneos, se tivesse disponibilidades...
         No ano passado, ainda como estudante de filosofia, tive a oportunidade de ler o livro Aprender a Viver – Filosofia para os Novos Tempos do Luc Ferry. Nele o autor afirma que precisamos ultrapassar o materialismo filosófico e desenvolvermos, para quem não crê na salvação proposta pelas doutrinas religiosas, a aceitação de uma espiritualidade pós-nietzschiana. Precisamos superar o conceito materialista de que a esperança é mais uma desgraça do que uma virtude benéfica. Precisamos contornar a noção de que a esperança é um desejo sem poder e sem saber realizar, cujas principais características são a frustração, a ignorância e a impotência; mas o que não deixa de ser um raciocínio impecável, pondera o filósofo.

          Daí vem a questão fundamental do humanismo contemporâneo: como desembaraçar o humanismo das ilusões metafísicas que traz consigo desde as suas origens no nascimento da filosofia moderna? Os quatro valores fundamentais da existência humana, quais sejam, verdade, beleza, justiça e amor, são essencialmente valores transcendentes e imanentemente reais em cada indivíduo. Não são uma ficção metafísica em forma de um ídolo como um “Deus”, o “paraíso”, a “república democrática” ou o “socialismo”.
          A beleza de uma paisagem ou de uma música nos arrebatam quer queiramos ou não, da mesma forma “caímos de amores” por alguém e não é por escolha deliberada. O humanismo não metafísico quer assumir que há uma real transcendência dos valores fundamentais dos seres humanos, e que eles são imanentes, ou seja, não são impostos a nós em nome de argumentos deduzidos de alguma ficção metafísica ou em prol de uma autoridade. Estes valores transcendentes são imanentes em cada um de nós.
          O humanismo contemporâneo surge após a Segunda Guerra Mundial, quando percebemos os malefícios potenciais da ciência que se torna responsável por terríveis crimes (como Hiroshima e Nagasaki), notadamente no campo da ecologia e da bioética. A ciência deixa de ser dogmática e os cientistas passam a fazer auto-críticas e reflexões sobre os perigos da fusão dos átomos, do efeito estufa, dos organismos geneticamente modificados e das técnicas de clonagens, etc. A ciência não tem mais certeza de si mesma, e a história se torna a rainha das ciências humanas; tomando a psicanálise como modelo de auto-reflexão, a disciplina da história nos permite compreender melhor o presente para podermos orientar o futuro.
        Como o próprio Nietzsche percebeu, a problemática moral aparece quando um ser humano propõe valores que sejam superiores ao valor da vida, valores sacrificiais. Para Luc Ferry, a moral se estabelece quando princípios nos parecem (com ou sem razão) tão elevados que valeria a pena arriscar ou mesmo sacrificar a vida para defendê-los. Alguns valores, como assistir a atos de injustiça e covardia contra crianças ou pessoas indefesas, ou contra alguém a quem amamos, poderiam nos levar a assumir um risco de morte. Isto implica que existem valores transcendentes, já que são superiores à vida.
        O que acontece é que nos homens modernos os motivos tradicionais de sacrifícios falharam. Ninguém mais está disposto a sacrificar a vida pela glória de Deus, da pátria ou da revolução proletária, mas pela sua própria liberdade e pela vida dos que eles amam é possível que se aceitem desafios para combates com risco de morte. Em resumo, as transcendências de outrora não foram exterminadas pelo materialismo, e sim foram substituídas por formas horizontais de transcendências e não mais verticais, enraizadas em seres que estão no mesmo plano que nós: o amor familiar.
        O humanismo não metafísico de Luc Ferry propõe que se reflita sobre três elementos antes de repensarmos a questão da salvação (elaboração da inquietude devida à finitude da vida): a exigência do pensamento alargado, a sabedoria do amor e a experiência do luto.
        Nos raros momentos que conseguimos viver um amor intenso, conseguimos nos libertar da tirania do passado e do futuro, como sugeriam os gregos e os hindus, para habitarmos o presente sem culpa e serenamente. O amor, via de regra, germina da admiração de qualidades abstratas particulares no outro, tais como beleza, força e inteligência. No entanto, estas qualidades não pertencem essencialmente a um determinado ser, são abstratas, podem ser encontradas em qualquer outra pessoa, bem como podem desaparecer de um indivíduo que ficou feio, fraco e idiota. Estes atributos não constituem a singularidade de alguém, e só a singularidade, que ultrapassa o particular e o universal, pode ser objeto de nosso amor. Pascal tinha razão quando afirmava: “Se nos prendemos às qualidades particulares, nunca amamos verdadeiramente ninguém”.
        O que amamos nele, não é nem a particularidade nem as qualidades abstratas universais, mas a singularidade que o distingue e o torna sem igual. Essa singularidade não é dada no nascimento, ela se forja sem que tenhamos consciência, ao longo da existência, e que se constitui numa experiência individual que é insubstituível e inigualável em suas relações próprias com os outros.
        Com o pensamento alargado e com a singularidade podemos reinvestir no ideal estóico grego desse “instante eterno” que é o presente, que liberta-nos das angústias de morte ligadas à finitude e ao tempo. Evidentemente que nada pode concorrer com a doutrina cristã de salvação, de ressurreição dos corpos e de reencontro após a morte com aqueles que amamos...desde que acreditemos. Mas se não somos crentes - e não podemos nos forçar a sê-lo, nem fingir – precisamos ter outra abordagem desta questão da salvação e do luto do ser amado que nunca mais encontraremos após a morte.
         O Luto do Ser Amado tem tido até então dois modos de enfrentamento. O modo dos budistas que é praticamente igual ao dos estóicos, recomenda o “não apego”, apesar de pregar a compaixão e a amizade. Se cairmos nas armadilhas dos apegos do amor, nos privamos da felicidade, da serenidade e da própria liberdade, uma vez que a vida é mudança permanente e todos são perecíveis. Apego significa estar ligado, não livre. Para se libertar dos laços que o amor tece, estas doutrinas adotam a sabedoria do não apego. O outro modo de enfrentar o luto do ser amado é o do amor a Deus dos cristãos, com direito à ressurreição e reencontro.
        Mas Luc Ferry considera que nenhuma destas atitudes é conveniente para o humanismo pós-moderno, pois não podemos e nem queremos não nos apegar. Segundo o autor,   o Dalai-lama reconhece que o único meio de viver o “não-apego” é a vida monástica, sendo preciso viver sozinho para se evitar laços e ser livre. Como não é esta a nossa opção de vida, por não conseguirmos praticar a sabedoria budista precisamos adotar a sabedoria do amor que deve ser elaborada por cada um de nós e em silêncio. Precisamos aprender a viver e amar como adultos, pensando na morte, não por fascinação mórbida, mas para ficarmos atentos de fazer aqui e agora, na alegria, com aqueles que amamos e dos quais, mais cedo ou mais tarde, vamos nos perder. Esta sabedoria constitui o coroamento do humanismo contemporâneo, enfim, desembaraçado das ilusões da metafísica e da religião.
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        A vida cultural portoalegrense é altamente instigante e variada. Eu vivo olhando as programações e prometendo para mim mesmo que quando eu estiver aposentado eu vou cumprir todas estas agendas do “segundo caderno” Cult. Vou assistir desde estes fóruns internacionais de “alargamento do pensar como um ato político”, que são pagos e caros, mas especialmente os eventos artísticos de baixo custo e gratuitos, que são muitos e também de alta qualidade. De tanto eu ficar repetindo para diferentes coisas que surgem que “isso eu vou fazer quando estiver aposentado”, que as pessoas da minha intimidade ironizam que vai faltar tempo pra realizar tantos projetos na minha aposentadoria. Esta é a ideia!...

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