RESGATE DE MINEIRO SOTERRADO NO MAE

Na grande aldeia global midiática que é o mundo hoje em dia, ficamos todos sofrendo solidários com a tragédia da explosão de uma mina na Turquia, onde morreram mais de 300 mineiros. Enquanto engenheiro de minas que sou, me sinto um sobrevivente como os 33 mineiros que ficaram por 69 dias soterrados numa mina subterrânea de cobre e ouro no Chile em 2010, cujos trabalhos de resgates acompanhamos dia a dia feito um reality show; me sinto irmanado com a aflição dos sobreviventes como sendo de meus companheiros de trabalho. Digo isto por ter tido a experiência de ficar oito horas por dia durante um mês numa mina subterrânea semelhante, e saber muito bem a sensação que a gente sente ao estar lá embaixo, trabalhando entre vultos humanos tisnados que mais aparecem assombrações, e sob a ameaça constante de um soterramento  inesperado.
 Com o curso de engenharia de minas tive o ganho cognitivo de ter estudado mais a fundo a geologia do planeta em que vivemos, a loucura que  é saber que o miolo da terra é em realidade a figura metafórica do inferno, um caldeirão incandescente onde todas as rochas estão derretidas, e que o globo terrestre é uma panela de pressão cujas válvulas de escape são os vulcões. É punk! Logo compreendi que naquela vida de mineiro em que estagiei, que mais se assemelhava a trabalhar no inferno (nas subterrâneas Minas do Leão de carvão) ou no purgatório (nas minas de ferro a céu aberto da Vale do Rio Doce em Itabira, MG), não conseguiria  nunca  encontrar  um Paraíso para trabalhar, até porque não há mineração nas nuvens.

Sem poder contar com esta perspectiva de almejar um paraíso para exercer o meu ofício de mineiro, tratei logo de buscar novas atividades que me oferecessem pelo menos um oásis. Por isso, durante os últimos vinte e cinco anos me tornei um aprendiz de várias outras profissões. Estudei jornalismo na PUC (enquanto durou a bolsa de estudo que o Dmae me fornecia), depois novamente na UFRGS passei a estudar filosofia (de 2001 até 2009, devido ao meu jubilamento da faculdade). A partir de 2010 passei a ser aluno do curso de Letras da UFRGS, onde continuo até agora, sempre sem a mínima pretensão de conquistar outro canudo de formatura. Estudo apenas para ampliar a minha formação pessoal: faço por prazer e somente as disciplinas que me interessarem de cada curso e nada mais, sem estresse.
Mas sempre reconheço como “bendito” o canudo de Engenharia de Minas, pois aproveitei ao máximo o título para ganhar “o pão de cada dia” trabalhando como engenheiro do DMAE na fabricação de água potável, por  mais de 35 anos. Por sorte, eu entrei no último concurso público genérico, com provas únicas e nomeação por ordem da classificação geral, independente se o candidato  era engenheiro civil, de mecânica, de elétrica ou até de minas. Era meio esdrúxulo, mas sempre fora assim até o início de década de 1990. O curioso é que até hoje só existe o “cargo de engenheiro” na Prefeitura, sem especificar se é engenheiro disto ou daquilo, e as atribuições do cargo são genéricas englobando todas as especialidades de engenharia. Hoje continua sendo meio esquisito ter diferentes provas e listas de classificações para um mesmo cargo funcional que continua sendo de “engenheiro genérico”, sem contemplar as especializações. Assim, já que todas as vagas do cargo são tecnicamente iguais, passou a ficar na mão da administração política no poder decidir (subjetivamente?) quais as suas prioridades, abrindo brecha para que possa nomear mais classificados de uma determinada especialidade visando beneficiar candidatos correligionários ou apadrinhados que estão nesta lista de espera. São questões pendentes para um novo Plano de Carreira dos Municipários...
 Sei que, por muita sorte, em função desses novos critérios nos concursos públicos que fecharam as portas para várias outras engenharias, fui o último engenheiro de minas a ingressar no Dmae. Muitos leitores podem ficar se perguntando: O que é que Engenharia de Minas tem que ver com água? Agradeço a pergunta e respondo de pronto: A substância água não deixa de ser um minério líquido aflorante a céu aberto, e que ocorre em jazidas denominadas rios ou lagos,  cuja gênese se dá nas nuvens. Portanto, a água é a obra prima perfeita para ser o paraíso como local de trabalho de um engenheiro de minas, e o Dmae foi o meu.
Sinto-me como os mineiros chilenos  e os poucos que restaram na mina turca, um sobrevivente do inferno dantesco que é o ambiente de trabalho de uma mina subterrânea, apenas que por sorte consegui sair antes que qualquer soterramento me aprisionasse neste suado ofício de ganhar o pão com o minério que o diabo amassou. Pude assim ganhar a vida “só na sombra e na água fresca”: no escritório com ar condicionado de uma fábrica municipal de água potável em plena capital gaúcha. Fui, portanto, um urbano engenheiro de minas que esteve soterrado apenas pelo cumprimento do tempo de serviço, mas que foi finalmente resgatado em 2011 para a superfície livre da aposentadoria, onde me encontro: livre e solto como um ex-engenheiro!

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