Outro dia, entre tantos figurões políticos disputando
visualização pública, assisti na TV as explicações técnicas do engenheiro
Valdir Flores sobre o PISA. O Programa Integrado Socioambiental (Pisa), maior
obra de saneamento da história de Porto Alegre, estava sendo entregue
oficialmente à população com grande estardalhaço pela presidenta Dilma Rousseff
e pelo prefeito José Fortunati, contando com a presença do governador Tarso
Genro. Estavam presentes todos os demais caciques políticos com direito a tirar
um proveito no palanque da inauguração da Estação de Tratamento de Esgoto
Serraria (ETE), evento que marcou o início das operações deste projeto que
amplia a capacidade de tratamento dos esgotos na Capital de 27% para 80%. O
funcionamento desta estrutura vai coletar o esgoto vindo da Ponta da Cadeia
(centro e zona norte da cidade), Ipiranga (zona leste), Cavalhada, Cristal,
Ipanema e Serraria (zona sul); mas inicialmente a ETE deve operar bem abaixo do
seu potencial para efetuar ajustes nos procedimentos operacionais até 2015.
Recordo que lá pelos idos tempos de 2010, todas as
primeiras quintas do mês a Universidade Corporativa do DMAE (UNIDMAE) promovia
um Ciclo de Palestras Técnicas. No mês de agosto daquele ano participei pela
primeira vez do ciclo, fui ouvir a palestra de apresentação do Projeto
Integrado Socioambiental (PISA). A palestra foi ministrada pelo colega Engº
Valdir Flores, que depois se aposentou pelo Dmae e continuou como gestor do
audacioso projeto que pretendia tratar 80% do esgoto cloacal de Porto Alegre até
2012. A ETE Serraria, que teve a construção iniciada justamente lá em 2010, foi
inaugurada agora com atraso devido aos percalços de acidentes de trabalho e de
alterações técnicas, e teve o custo total de R$ 670 milhões (com recursos do
PAC do Governo Federal). Com este conjunto de obras, o cidadão dá a descarga no
seu vaso sanitário no centro da cidade e o bagulho vai viajar por várias
estações de bombeamento, por cerca de 19 km. No final, para atalhar, a porcaria
evacuada pelo cidadão vai percorrer um longo trecho em tubulações submersas no fundo do Guaíba até
chegar finalmente na ETE no bairro Serraria, onde será devidamente tratada de
modo que volte a ser simplesmente água, sem resíduos fecais.
A idéia básica do projeto apresentado em 2010 era realmente
impressionante: coletar o esgoto da
cidade que é reunido no Gasômetro, na Estação Ponta da Cadeia e, ao invés de
continuarmos jogando o esgoto bruto no Guaíba, conduzi-lo canalizado em tubos
de aço pela Av. Beira Rio até o Hipódromo do Cristal. Ali haveria uma estação
de bombeamento e um mirante elevado como atração turística, dotado de um
sistema de abatimento de gases para minimizar o mal cheiro do esgoto aos
visitantes, que do mirante poderiam admirar o pôr do sol no Guaíba. Na data do
aniversário da Capital, 26 de março de 2014, a prefeitura efetivamente
inaugurou esta parte do conjunto de obras integrantes do Pisa, a chaminé de
equilíbrio do Sistema de Esgotamento Sanitário com o Mirante do Cristal,
instalado ao lado do BarraShoppingSul no Cristal. O mirante foi destacado
pela Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (Abes-RS) como uma solução criativa que aproxima a população do tema saneamento
básico.
A grande inovação do projeto apresentado, para a
época, era a condução do esgoto por tubulação subaquática e ancorada por mergulhadores no leito do Guaíba. Somente após um tratamento terciário do esgoto que geraria lodo ativado, vale dizer,
descontaminado, é que devolveríamos a água devidamente tratada ao seu manancial
de origem. Estimativas atuais dão conta que a capacidade total da Estação de
Tratamento de Esgoto Serraria inaugurada só vai ser atingida após decorridos 15
anos, em função da migração lenta e gradual das ligações residenciais de esgoto
do sistema fluvial para este exclusivamente cloacal. De qualquer forma o Pisa passa
a ter singular importância na história da cidade, porque tem potencial para triplicar
a capacidade de tratamento de esgotos, de 27% para 80%, e promover uma
expressiva melhoria na qualidade de vida dos moradores. Resta monitorarmos os
resultados na expectativa de recuperarmos de fato a balneabilidade do Guaíba.
Na época da palestra, lembro que restavam ainda
algumas questões ambientais a serem resolvidas, tais como: - O que fazer com os
150 m3/dia de lodo que o sistema de tratamento vai gerar? – O que
fazer com o gás poluente que o tratamento de esgoto libera para o ambiente?...
Estudos estavam sendo feitos para o aproveitamento do gás como uma alternativa
para gerar energia elétrica para o funcionamento da própria ETE Serraria, ou
para a secagem do lodo que reduziria o seu volume para cerca de 30m3/dia...
Desses pormenores as notícias da mídia sobre a concorrida inauguração em ano
eleitoral não comentam nada. Contudo, registrei
aqui mesmo no blog, em 2010, que sairia mais
tranqüilo para o meu retiro de “inativo”, como aposentaNdo que ainda era na ocasião, pois sabia que o mega projeto de
saneamento (que envolvia altas granas) estava em boas mãos. Sempre considerei que
o Engº Valdir Flores, que já foi meu chefe por duas vezes, era um dos técnicos
mais completos e versáteis do Departamento. Por isto acreditei que desta vez a
coisa ia acontecer, e aconteceu: foi inaugurado o Pisa!
De lá pra cá, à equipe de técnicos do Pisa foram se
somando boas cabeças da ativa (Farias, Carla...) e, especialmente, agregando
engenheiro(a)s que iam se aposentando e que tinham grande domínio da área
de saneamento cloacal (Jovenil, Paulo
Kessler, Sérgio, Nina...). Tanto que, a título de brincadeira interna, dizia-se
que Pisa significava “Programa de Incentivo Social aos Aposentados” (kkkk). A missão impossível desta tropa de elite do
Dmae foi, no simbólico, nada menos do que recuperar a balneabilidade das praias
de Pedra Redonda, Ipanema e Guarujá. Já pensou o que significa a gente poder
voltar, como nos nossos tempos de guri, a nadar novamente nestas praias? Seria
como podermos entregar aos nossos netos a cidade com a mesma qualidade de vida
que a recebemos dos nossos pais, apesar do imenso aumento populacional. Eu não
alcancei a realização desta meta em atividade no Dmae, mas aposentado espero
estar vivo ainda para poder comemorar este verdadeiro “Dia D Glória”
portoalegrense, o dia de podermos mergulhar novamente em plena prainha do
Gasômetro sob um pôr-de-sol, fala sério!...
Brincadeirinha, não sou Matusalém para viver o suficiente para ver isso...
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