Tem bagulho bom aí! Saiu dois
filmes simultâneos sobre o Renato Russo, um sobre a vida dele (Éramos tão jovens)
e o outro com o roteiro baseado na letra da música Faroeste Caboclo, canção
consagrada pelo lendário grupo roqueiro Legião Urbana. Assisti apenas ao segundo, e achei que o
roteiro acertou a mão nas adaptações para a linguagem cinematográfica, mas foi
sacanagem deixarem a música tema para rodar só depois do fim, “fazendo todo
mundo dançar” lendo os nomes dos créditos até a última letrinha!...
A propósito de
faroestes, tem vivente que é contador de história nato, que sabe levar o
suspense e manter o ouvinte atento na oralidade. Mas geralmente estes
proseadores têm o defeito de alongarem e enfeitarem com detalhes demais o
causo. E, pior do que isto, costumam emendar uma aventura na outra, num prosear
sem fim. Este é o caso do Gervásio, mais conhecido como o Matungo, colega
eletro-mecânico da DVM e morador do topo da Vila São José, criado no alto do
Morro da Cruz, que é um conhecido ponto de tráfico em que nem a polícia pacificadora
entra, onde o faroeste corre solto, e que se tornou célebre por ser o
tradicional local da crucificação do Cristo na encenação da via-sacra da
procissão da Semana Santa.
Quando o Gervásio puxa conversa e
engrena, eu costumava delimitar de antemão: um causo por dia! Outro dia ele me
contou rapidinho um dos seus infindáveis causos inéditos. Relatou o causo do
Fala-fanha, sujeito que morava na vizinhança e que teve a sua mãe agredida
durante um assalto por um vagabundo do morro cheirador de crack. Conta o Matungo que, conforme o próprio
Fala-fanha teria lhe contado (técnica de proseador para poder relatar na
primeira pessoa com maior emoção), uma vez localizado o malandro num boteco das
redondezas, o Fala-fanha enfiou o cano do seu revólver calibre 38 na boca do ladrãozinho agressor de sua mãe e detonou,
sem dó nem piedade.
Depois, quando
o pistoleiro já tinha virado as costa para ir embora, ele foi questionado pelo
seu irmão, que ajudava na vingança: E se o danado não morrer do tiro? - O
Fala-fanha não teve dúvida, voltou e degolou a agonizante vítima, depois
virou-se respondendo ao seu mano: esse vai morrer com certeza! Depois saíram a
passo... – E o corpo, eu perguntei? - O defunto foi dado como queima de arquivo
pela polícia, pois o cara tinha longa ficha corrida, complementou o Matungo
narrador. Como disse, tem vivente que é nato trovador repentista de ficções em
prosa, aventuras como esta ele contava uma atrás da outra...
O Gervásio Matungo também é um
aposentando, mas com “n” minúsculo, fechou as condições para se aposentar em
2010, mas não consegue se decidir, por não saber o que vai fazer depois.
Concluiu que os seus antigos biscates, de consertar refrigeradores e televisores,
estão em baixa no mercado. O cara era do tempo dos aparelhos de rádios e TVs
valvulados e, como eu também fui “fuçador” em eletrônica, denominei de “vulcão”
o monte de peças e sucatas de chassis que ele tinha no pátio da casa dele, o
qual funcionava como um depósito a céu aberto, para serem aproveitadas em seus
consertos.
O Matungo contabiliza que tinha prejuízos atendendo à frequesia do
Morro da Cruz, pois ficou “engatado” com tantos
refrigeradores e televisões, de clientes que mandaram consertar e que
não foram buscar, que chegou a pensar em abrir um brique de aparelhos usados em
casa. Mas, pondera o ex-biscateiro, que nem pra isso dá mais, pois os
eletrodomésticos se tornaram descartáveis, com o incentivo do governo para que
as pessoas troquem os aparelhos velhos por modernos, que têm menor consumo de
energia elétrica.
A exemplo dos “coiotes” que
servem de guia aos “cucarachos” que tentam imigrar clandestinamente nas
fronteiras dos EUA, o Matungo também nos serviu de “coiote” quando recorremos, em
desespero de causa pela enxaqueca crônica da minha mulher, a um tratamento
espírita com o Dr. Queirós, médium incorporado que atende justamente no “olho
do furacão” do Morro da Cruz. Somente acompanhado de um nativo da vila para nos
arriscarmos a subir à noite até o centro espírita do renomado médium, no topo
da morro, onde sempre tinha fila de pessoas para serem atendidas, feito o SUS.
As enxaquecas da minha mulher continuam até hoje, mas nos valeu muito a
experiência vivida no território do Faroeste
Matungo.
Conforme conta o folclore interno da DVM, após
a ocorrência do caso do acidente de trabalho fatal do jovem eletricista
Ubirajara Teixeira, quando entregaram para a viúva os objetos pessoais que o
falecido tinha no armário do vestiário da Manutenção, deu problemas de
infidelidades póstumas, pois lá havia cartas de casos extra-conjugais...talvez até
com a vizinha. Conforme conta o Matungo, algum tempo antes do acidente fatal,
ele foi fazer uma visita na casa do Bira e, por engano, entrou na casa do lado,
de estranhos, como se fosse pessoa íntima. Mas, por extremo azar, o tal vizinho
do Bira estava desconfiado que a sua mulher estava lhe traindo e, ao ver aquele
negão entrar bem faceiro em sua casa, caiu de pau em cima do Matungo. O
Gervásio não teve nem tempo de entender o que é que estava acontecendo, o duelo
foi desigual, foi pego pelas costas. O fato é verídico, pois acompanhamos o drama
do colega nos dias seguintes, já que o estrago foi tanto que ele passou uma
semana no hospital: todo quebrado e deformado por inchaços e hematomas. Quase
cegaram de vez o Matungo!
Mas o causo mais pitoresco, que
ele não se cansava de contar, é o susto que ele deu num guri no banheiro de um
camping da Barra do Ribeiro, onde costumava passar as férias pescando.
Percebendo que o garoto ficou assustado com o lance dele retirar a chapa
dentária da boca para escovar os dentes na pia, só de sacanagem, ele retirou
também o seu olho de vidro (prótese que usa no seu imperceptível olho cego), e
pediu para que o guri o ajudasse segurando o seu olho um pouquinho; o menino
saiu correndo apavorado!...Valeu Matungo, exímio narrador
da “realidade fora da lei” que viu de perto, enriquecida pela sua oralidade
dramática, sem nunca se deixar amedrontar ou envolver pela bandidagem:
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