Em plena Olimpíadas de Londres de 2012, além de poder assistir de manhã, de tarde e de noite as disputas na TV a cabo, e graças à greve da UFRGS que propiciou um mês de agosto sem aulas, consegui bater o meu próprio recorde: acabo de galgar a leitura da centésima página do livro Ulisses de James Joyce, após várias tentativas abortadas desta travessia. Como o ginasta Diego Hipólito, eu sempre amarelava e não conseguia concluir esta prova de fogo que é ler o Ulisses, livro que faz parte da minha “Lista de 100 coisas para fazer na aposentadoria”. Desde que comprei o volume da 7ª edição, em meados da década de 1990, com a clássica tradução de Antônio Houaiss, a cada nova olimpíada eu voltava a testar a minha capacidade de abstração na leitura com obstáculos da obra-prima de Joyce. Diz uma lenda difundida na internet que ninguém conseguiu ler de fato todo o livro; seja como for, os relatos de desistências definitivas e de reincidentes abandonos, como o meu caso, são numerosos.
O principal obstáculo é que, dizem, sequer há uma história sendo contada no livro. O texto é desenvolvido por narradores diferentes, sem linearidade, que mudam de repente e não se sabe quem está falando pra quem, e seguidamente nem se fica sabendo que assunto está sendo tratado durante várias páginas. Exige, portanto, que o leitor seja um atleta literário com fôlego para se manter por longo tempo velejando (como o Robert Scheidt, velejador com cinco medalhas olímpicas conquistadas), sobre os fluxos e refluxos das palavras do autor, muitas inventadas pelo próprio e reinventadas pelo tradutor.
Desta vez, porém, creio ter atingido a maturidade intelectual suficiente para segurar a onda por toda a travessia, não como uma árdua leitura, e sim com a alegria de um esportista que sente prazer em praticar o esporte de leitura literária: ler por puro lazer, com paciência de maratonista budista. Mas confesso que a coisa já não ia bem no final da primeira parte do livro, eu começava a esmorecer lá pela página 42, como prenúncio de um novo naufrágio, o que a esta altura da vida seria como sofrer um ippon da judoca Sarah Menezes, medalha de ouro em Londres. Então comecei a praticar o método de leitura em voz alta, interpretando com entonações orais as frases e soletrando as palavras agrupadas com neologismos. A partir daí sim, ganhei um novo fôlego e atingi o inédito marco lido de um quinto do livro.
Estou, pois, otimista que desta vez vou conquistar a medalha de ouro ao chegar até a última frase do clássico dos clássicos moderno, feito o ginasta Arthur Zanetti surpreendendo agarrado em suas argolas...Uau!, que susto: Fui espiar agora qual era a última frase do livro, para transcrever aqui como a “linha de chegada”, e voltei a levar medo da maratona de leitura ao descobrir que a última frase, a rigor, se estende por 33 páginas, sem vírgulas e sem pontos. A reta de chegada parece ficar numa montanha íngreme de difícil alpinismo até para a leitura em voz alta. Espero que durante a longa jornada o leitor amador vá aprendendo a dominar as armadilhas do universo joyceano, ficando apto para a escalada da leitura final que consagra o recebimento da bandeirada de conquista do seu Olimpo.
Todavia, para não perder o foco da linha de chegada na longínqua última página do livro, decidi adotar o didático procedimento de fazer uma “Ficha de leitura do livro Ulisses de James Joyce”, para me garantir que estou acompanhando os malucos fluxos psicológicos de Joyce, que em Ulisses são verdadeiros “fluxos alucinógenos”. Toda atenção é pouca, haja visto todo o cuidado da atleta Fabiana Murer com suas varas de saltar que, mesmo assim, não foi o suficiente para ela se classificar para as finais. Por isso vou ir cravando referências pela quilometragem do caminho, escrevendo notas no marcador de páginas e apelando para destacar trechos do livro com caneta marca-texto, de modo que possa sempre recapitular quem é quem e por onde andaram e andam, pelo menos os personagens que eu identificar como sendo os principais do enredo sem trama, ou do drama sem enredo.
Mas, a estas alturas, ao contrário de Maurren Maggi (campeã olímpica de Pequim em salto à distância que “decepcionou” em Londres), começo a sentir firmeza na minha atual jornada olímpica pela epopéia do Ulisses, pois já estou dando boas risadas com o peculiar senso de humor do Joyce. Assim, espero concluir a leitura do livro Ulisses de James Joyce antes da próxima Olimpíadas, que será realizada em 2016 no Brasil.
Não vou fazer como a seleção brasileira de futebol do Neymar, Oscar e Damião, que repetiu as várias tentativas frustradas do escrete canarinho para conquistar o ouro em Londres, adiando a esperança de realização do feito olímpico como um tema para fazer em casa. Na Olimpíadas brasileira quero já estar com a medalha de ouro do Ulisses no meu peito (como as meninas do vôlei) e quero estar conquistando a leitura de Rayuela de Julio Cortázar, no original em espanhol, livro que igualmente faz parte da minha “Lista de 100 coisas para fazer na aposentadoria” e que também está pendente com várias tentativas e desistências há quase vinte anos, ou seja, há várias Olimpíadas.
Caro leitor do Diário, olimpíadas também dá poesia, leia o poema "O Último do Pódio" no blog:
Caro leitor do Diário, olimpíadas também dá poesia, leia o poema "O Último do Pódio" no blog:
Infelizmente ainda falta muito para minha aposentadoria, por enquanto aprendo muito lendo o teu diário. Gostei muito da comparação Olímpico-Ulissiana. Uma maratona gostosa de ler.
ResponderExcluirLembrei de ti:
ResponderExcluirhttp://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1138343-a-convite-da-folha-sete-autores-reduzem-ulysses-a-um-tuite.shtml
Abraço!
JUREMIR COMENTA PAULO COELHO E JAMES JOYCE: Pela primeira vez, Paulo Coelho e eu concordamos em alguma coisa. O "mago" declarou a um jornal inglês que a obra máxima de James Joyce, "Ulisses", se torcida, não deixa mais do que 140 caracteres, um "twit", de conteúdo. Em resumo, disse que é pura forma. Concordo. Gosto do experimentalismo de Joyce. Ao mesmo tempo, reconheço que é ilegível, uma masturbação de linguagem misturando idiomas e criando neologismos como uma máquina de escrever desgovernada. Às vezes, não passa de um engenhoso exercício de datilografia. Escrevi no Twitter que todo escritor brasileiro medíocre e confuso adora James Joyce. Paulo Coelho, também pelo Twitter, reagiu. Escreveu: "@juremirm, nunca imaginei que algum dia iria me dar parcialmente razão...". Paulo Coelho admite que está a par das minhas críticas. Paulo Coelho tem muitos defeitos. Escreve mal. Mas tem uma qualidade: leitores. Conseguiu captar o ar de um tempo. O problema dos escritores brasileiros atuais é que escrevem para o próprio campo. Reproduzem-se em cativeiro. Juremir Machado (CP)
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