Faz muito tempo que eu queria escrever uma matéria sobre o meu ex-colega de trabalho Jorge Cafuringa, pois este blog ficaria incompleto sem o registro desta figura emblemática do quadro dos servidores da manutenção de equipamentos do Dmae. Desde o início eu estava esperando a inspiração de um gancho literário que me desse a abordagem adequada para enfocar bem o personagem, mas até ontem nada de muito interessante havia surgido.
Eu havia pensado em começar contando de quando nós dois, jovens ainda, no final da década de 1970 frequentamos juntos o Cursinho Pré-Vestibular Mauá, no tempo dos professores Édison de Oliveira e Túlio, de português e matemática respectivamente, ano em que nenhum de nós passou no vestibular da UFRGS, e que ele foi fazer o curso de engenharia mecânica na PUC, enquanto eu fiquei tentando mais algumas vezes até conseguir entrar na faculdade federal.
Também cogitei de resgatar como introdução o trecho da matéria que publiquei aqui no blog (em dez/2010) sobre a grande incidência de ”pais e filhos” trabalharem como colegas no Dmae, em que eu citava o Cafuringa: “tem os casos de filhos de pais de outras divisões do Dmae, tais como os numerosos irmãos Jorge Cafu, Aurélio Charuto e Victor da DVM (irmãos da Isabel (Bela) da DVA) que são filhos do Getúlio (falecido boêmio e tocador de cavaquinho da DVA)”.
Outra abordagem que pensei em fazer foi a futebolística. Tinha tudo a ver fazer o texto com o enfoque de futebol, pois o Cafuringa ganhou este apelido (nome de um antigo jogador profissional famoso) por ser um ponteiro direito muito rápido e habilidoso, que marcou época na vasta galeria de conquistas de troféus dos sucessivos times de futebol de campo que se formaram na manutenção, os quais até hoje sempre têm tido pelo menos um dos seus irmão jogando e ele atuando como técnico e/ou cartola.
Outras vezes pensava que o central numa matéria sobre o Cafuringa deveria ser os entrelaçamentos que nossas vidas profissionais tiveram desde o início de nossas carreiras. Isso ocorreu especialmente porque a DVM se caracteriza por ser o único lugar do DMAE onde os funcionários praticamente não mudam de local de trabalho ao longo de toda a vida profissional. As mesmas pessoas acabam convivendo por décadas consecutivas, devido às especificidades técnicas dos ofícios e cargos que só existem na Manutenção.
Em verdade nossa história se entrelaça desde antes, pois tivemos a mesma origem de formação técnica, que foi a Escola Parobé, e onde o Cafuringa posteriormente tornou-se professor e permanece lecionando. Ainda assim, tanto ele como eu estivemos trabalhando em outras divisões por alguns anos, ele na Divisão de Esgotos e eu na Divisão de Água, e ambos voltamos para o nosso lugar natural e de origem no Dmae, que é a Manutenção.
Outra alternativa considerada foi abordar o seu gosto especial pelo leva-e-traz de coisas que alguém ouviu contar sobre o fulano ou/com a fulana em tais ou quais causos ou fofocas, que no fundo todo mundo gosta. Todavia, é sabido que para as histórias contadas pelo Cafú tem que se dar muito desconto, pois que ele não aumenta só um ponto, costuma incrementar temperos apimentados e hipóteses de duplo sentido para dar maior emoção e impacto ao causo. Esses disse-me-disse do Cafuringa podem ser verídicos ou podem ser de origem fictícia ou inventada por ele mesmo, nunca se sabe ao certo...Nisso consiste o seu sucesso como revelador de supostas intimidades alheias, posto que é feito sem maldade e com a sua autêntica ingenuidade.
Pensei ainda em relembrar algumas passagens nossas, quando já estávamos os dois formados em engenharia, e fizemos juntos estudos preparatórios para o concurso de engenheiro do DMLU. Estudávamos na minha casa e nos plantões de final de semana no DMAE, concurso que ele, por ser muito festeiro naquela época, infelizmente acabou não conseguindo aprovação. Queria relembrar de como, décadas depois, como Diretor da DVM, eu fui chefe do Cafuringa e tentei inutilmente conseguir um Cargo em Comissão pra ele, posto que na era petista eram tantos companheiros esperando a boquinha que sistematicamente uns tiravam férias pra outros de fora assumirem.
Certamente que teria que comentar que participei de sua festança de casamento, e falar de como acompanhamos à distância, por duas décadas, os nascimentos e crescimentos de nossos respectivos filhos, os meus divórcios e a fatalidade do recente falecimento da esposa e grande coordenadora da vida familiar do meu amigo. Que sacanagem do destino, deixou órfãos dois adolescentes e o próprio Cafú!...
Contudo, eu sempre ficava com a sensação de que nada disso captava o essencialmente peculiar no Jorge Cafuringa, que ficava faltando alguma coisa, até que a crônica da Martha Medeiros publicada na ZH de ontem com o título “Falando Sozinho” me deu o gancho que faltava para a elaboração da minha postagem sobre o Cafú.
A cronista conta que, alertada por suas filhas, teve que sucumbir às evidências e admitir que fala sozinha. Diz que, sem perceber, o pensamento sai pela boca e não raro gesticula, mas que não chega àquele nível de maluquice que acomete andarilhos que falam num volume tão audível que a gente chega a se perguntar se estariam mesmo sozinhos.
Agora, com o testemunho da Martha Medeiros, eu próprio já posso assumir que também falo sozinho em casa, e posso escrever sem melindres nesta crônica que o Cafuringa é desses que falam a altos prados e gesticulam com empolgação pelas ruas. Quem o conhece sabe, é folclórico vê-lo discutindo consigo mesmo, isso é uma peculiaridade dele e desde sempre foi assim. Mas, como hoje em dia é até muito comum vermos pessoas falando sozinhas, às quais supomos que estão falando em celular com fones de ouvido camuflados, ninguém mais estranha o Cafuringa em seus monólogos andarilhos.
Finalmente posso escancarar, pois que agora tenho referência de gente famosa para poder afirmar: Cafú, nós que falamos sozinhos somos normais! Segundo a Martha Medeiros falar sozinho é um ato de generosidade, pois vá saber o estrago que causaríamos se falássemos tudo, olho no olho. Melhor soltar as frases ao vento...
Apreciei de coração a homenagem tecida em furtivos retalhos da vida do meu mano Cafú. Menino folclórico que, por tantas vezes, nos contagia com sua fala pitoresca na figura gigantesca do Homem que é. Bendita seja essa falta de inspiração, Celso, pois, através dessa, compartilhastes fotos e registros de uma boa convivência com o mestre Cafú. A parceria com Martha Medeiros serviu apenas como referencial teórico, a fim de dimensionar a loucura generosa que, cada um de nós vivemos ao jogarmos palavras ao vento....
ResponderExcluirUm grande abraço
Isabel Regina Silva dos Santos