Diante da incomunicabilidade dos dias atuais entre nós brasileiros devido
ao acirramento das narrativas de ódio no espectro político, escrevo esta
crônica dirigida ao meu neto de cinco meses de vida. Escrevo como quem, sem ter
com quem conversar a respeito deste espinhoso assunto, transmite para um idealizado
tranquilo momento futuro uma mensagem escrita por necessidade minha de
elaboração mental dos dias surreais que vivemos hoje, para eu não enlouquecer
junto com esta realidade demente
O
ponto que quero abordar, meu neto, é o papel das mídias em nossas vidas,
especialmente as grandes redes de televisão concentradas nas mãos de cinco
famílias que dão as cartas e jogam sempre de mãos dadas com a políticagem, a
justiça e a polícia federal. Sem querer me aprofundar nas tenebrosas
articulações políticas, contudo preciso contextualizar estes tempos difíceis
para que todos os nossos netos compreendam o que vivenciamos de fato, pois não
sabemos como a versão oficial da história vai contar esta passagem nas escolas
futuramente, nem qual narrativa sairá vencedora deste embate.
Saiba
meu neto que, com a reeleição da Presidenta em 2014, os especialistas já indicavam
que elegemos junto o pior Congresso Nacional da nova era democrática do país,
como de fato constatamos todos na lastimável e deprimente “célebre sessão de aceitabilidade
do impeachment da Presidenta” da Câmara dos deputados em abril/2016, sessão que
foi transmitida ao vivo pela TV aberta na íntegra. Foi de chorar!
Mas
até o final de 2015, apesar das crises política e econômica se agravarem
mutuamente com aceleração crescente, tudo corria bem no país da Operação Lava
Jato que seguia investigando seletivamente os crimes de corrupção do PT na
Petrobrás. Tudo corria bem até quando o presidente da câmara aceitou a denúncia
por crime de responsabilidade e de impeachment contra a Presidenta da
República. O mesmo sujeito que logo depois de fazer o serviço sujo de iniciar o
Golpe seria cassado e descartado pelos golpistas, e que acabou de ter a sua
prisão preventiva decretada devido às suas contas de propinas bilionárias na
Suíça.
A bem
da verdade, meu neto, a grande imprensa já estava operando em conluio com os
demais poderes da União na divulgação seletiva e com abordagens de intermináveis
massacres difamatórios dos governos Lula-Dilma e visando criar uma mobilização
de setores da sociedade em manifestações de rua de protestos antipetistas por
todo o país. Conseguiram criar assim as condições de apoio popular para o Golpe
a ser dado sob uma roupagem legalista de impeachment, só que sem crime de responsabilidade
como exige a Constituição Cidadã e sem que o Supremo Tribunal Federal se
dignasse a entrar no mérito desta questão. A justiça simplesmente lavou as mãos
com a lama que sedimentou o Golpe da maioria parlamentar que, com um discurso oportunista
contra a corrupção, empossou um governo repleto de ministros réus ou indiciados
por corrupção e
praticantes de políticas de intolerâncias com os movimentos sociais e de
atropelo dos direitos humanos.
Confesso
que somente no episódio sensacionalista da midiática “Prisão Coercitiva do Lula”
que foi levado para fazer um depoimento trivial em março de 2016, é que me dei conta que o circo da cobertura
televisiva e dos jornais impressos estava operando uma imensa farsa de âmbito
nacional, articulado premeditadamente para ter repercussão internacional
negativa na excelente imagem que o ex-presidente ainda detém no exterior, pelo
seu feito governamental de ter tirado dezenas de milhões de brasileiros da fome
e da miséria absoluta e
também por ser um pop-star mundial por sua descontraída diplomacia
internacional e criação do bloco dos países emergentes no BRICS.
Este
teu avô aqui sempre foi um viciado em noticiários políticos, notoriamente em
telejornais, ou seja, um dependente informativo do Jornal Nacional da Globo,
como a maioria dos brasileiros que lamentavelmente ainda buscam informação na
TV. Mas a coisa começou a ficar nojenta e insuportável quando as manipulações
passaram a ser escancaradas, como o caso do Juiz da Lava Jato que fez escutas decretadas
ilegais pelo STF de conversas da Presidência da República, portanto de
segurança nacional, e as divulgou na mídia às pressas para influenciar no
agravamento da crise política naquele momento crítico pré-Golpe.
Depois
disso a perseguição política e o massacre midiático seletivo sobre denúncias de
corrupção na Petrobrás passou a ser um samba de uma nota só, deixou de haver
jornalismo informativo, todos os canais de televisão adotaram a narrativa de
que a corrupção era exclusividade dos petistas vermelhos e que derrubá-los do
governo era a salvação nacional verde-amarelo. Mesmo que fosse apoiando as
forças sabidamente mais corruptas e
retrógadas dos partidos que sempre estiveram dentro deste governo de coalisão e
de suas práticas de corrupção institucionalizadas desde sempre, mas que nunca
foram investigadas nos governos anteriores. Convém que saibas, meu neto, que o
mundo estava vivendo uma crise econômica prolongada desde 2008, e a onda de tentação fascista cresceu tanto na Europa contra os
imigrantes refugiados das guerras no Oriente Médio e na África, como nos EUA. Também no Brasil o
discurso de intolerância racista e homofóbico do fascismo ganhou notórios
defensores públicos e militantes políticos, numa reação feroz do capitalismo
selvagem visando eliminar as migalhas de direitos sociais conquistadas pelos
pobres e as minorias em árduas lutas travadas por décadas, tais como saúde, educação,
moradia, liberdade de opinião e garantia de validade democrática do voto contra
golpes de Estado.
A
partir daí, meu neto, cresceu a nossa busca por uma imprensa alternativa na
internet. Cada um de nós, leitores ávidos por informações, foi fazendo links
com blogs e sites de jornalismo livre e de coberturas ao vivo de eventos e
movimentos que a mídia tradicional simplesmente ignorava ou minimizava e
distorcia com manipulações escrachadas. Só pra tua geração do futuro ter uma ideia da desinformação que as redes de telejornais
praticam hoje, neste momento estão ocupadas mais de 1.000 escolas pelos estudantes
secundaristas acampados nelas, além de 50 universidades e 80 institutos federais
protestando contra a PEC241 e contra a Reforma do Ensino, e nada disso é noticiado,
por incrível que pareça. A radicalização e a cultura de ódio
antipetista implementada pela mídia tornou o ambiente das redes sociais um
campo de batalha e de insultos fascistas, dividindo o povo brasileiro como duas
tropas inimigas em guerra aberta e sem possibilidade de diálogos. Divisão
simbolizada pelo muro que ergueram em frente ao Congresso Nacional para separar
os contra o Golpe e os a favor do impeachment nos dias das votações na Câmara e
no Senado.
A
busca de informações em fontes alternativas no início era complementar às das notícias das grandes redes
de comunicação, mas logo estas começaram a nos causar tanto mal-estar e revolta
que nos vimos compelidos a não mais assistirmos noticiário de TV nenhuma, veja
só a que ponto chegamos, meu neto. Era uma questão de saúde mental e
harmonização social rompermos com o hábito enraizado que tínhamos de
acompanharmos regularmente os telejornais. Tivemos que nos imunizar das
manipulações de massa a partir da posse do governo interino ilegítimo do então
vice-presidente e traidor Temer, até a finalização do impeachment que cassou
mais de 50 milhões de votos, quando a mídia foi recompensada com verbas
estatais e tornada definitivamente placa branca. Após meses agonizando em
debates de surdos num jogo de cartas marcadas no Congresso, o Golpe acabou se
consumando no dia 31/agosto/2016, revelando ao vivo pela TV ao povo brasileiro a
mediocridade também dos senadores da República.
Nós, a
esquerda democrática petista e principalmente a não petista (que é o meu caso),
feito membros de uma tribo de Alcóolatras Anônimos Agrupados (AAA) nos
agrupamos na internet para conseguirmos não mais nos envenenarmos com a
imprensa golpista e nos ajudarmos mutuamente a resistir e a combater a lavagem
cerebral que faziam na população com o surrado discurso anacrônico contra “os
comunistas vermelhos”.
Tem
males que vêm pra bem, meu neto, pois foi preciso que uma quadrilha de velhos
raposões larápios tomassem de assalto o Brasil, em nome do combate à corrupção
e prometendo “estancar a sangria dos políticos acabando com a operação contra a
corrupção Lavajato”, para eu conseguir me livrar do vício do Jornal Nacional. Mobilizado
para resistir até a posse do próximo
presidente eleito pelo voto popular em 2018, neste momento em que transmito
esta mensagem para leres no futuro, estou em abstinência de telejornais e
novelas há mais três semanas, desde a macabra sessão da Câmara dos Deputados,
no início de outubro/2016, de aprovação da PEC241/2016. Que foi a votação em
primeiro turno de mais um Golpe da maioria parlamentar escrota e fascista, que aprovou
uma absurda violação da Constituição com um plano econômico de congelamento dos
gastos com saúde, educação e serviços
sociais “por 20 anos!” no país. Não vão deixar pedra sobre pedra das conquistas sociais, prometem
reforma trabalhista atropelando a CLT, reforma do ensino amordaçando
intelectualmente as futuras gerações e reforma previdenciária empurrando a
aposentadoria para os 70 anos de idade, para o pós-morte. Ninguém merece.
Até
tentei assistir esta semana na TV Cultura o programa Roda Viva, com a ministra recentemente
eleita presidente do STF. Mais uma vez era o circo armado só com
entrevistadores alinhados com o governo ilegítimo fazendo perguntinhas fáceis
para consagrar a entrevistada no centro da roda. Uma jornalista da Globo News
até perguntou pejorativamente com um riso irônico: Teve golpe? Cuja resposta
foi apenas outro riso da ministra. Analise comigo, meu netinho, mesmo com a tua
distância no tempo. Se era um programa de jornalismo e a nação estava dividida
entre estas duas narrativas, de Golpe X impeachment, não devia ter pelo menos
um entrevistador de esquerda para perguntar sério: Ministra, o STF vai aceitar
passivamente sempre que uma eventual maioria parlamentar resolver destituir um
presidente eleito por um motivo banal
qualquer (que nem precise se comprovar como crime de responsabilidade), como se
o sistema não fosse presidencialista e sim parlamentarista, ou este “não querer
entrar no mérito da questão” por ser um “julgamento político” é uma maneira da
Suprema Corte endossar, por omissão, o golpe contra este específico governo por
ele ser de esquerda?...
Querido
neto, encerro esta cartinha como um desabafo da minha geração que apostou suas
melhores fichas, que chegou a estar dentro do poder com a faca e queijo na mão
para espantar os ratos, mas que fracassou na missão de entregar o país
reformatado para os seus descendentes. Resultou
que, mesmo com as manchetes de ontem de prisão do ex-todopoderoso presidente da
Câmara, o pai do Golpe, não tive nenhuma
recaída no meu vício de assistir aos telejornais do dia, preferi assistir aos
jogos de futebol da dupla Grenal, pois sabia
que fariam uma narrativa orquestrada em benefício de suas conveniências políticas
e estratégicas. A meta deles agora é o Golpe Final: conseguir a ilegibilidade para 2018 do
ex-presidente Lula através da Operação lavajato, cuja perseguição continua
implacável atrás de uma acusação qualquer que possa condená-lo à tempo. Ele
representa o que restou de saldo eleitoral com potencial de unificar todos os
movimentos sociais de esquerda deste país na luta pela retomada das rédeas do
poder usurpado sem o voto popular. O voto secreto na urna é que diferencia um regime democrático com
legitimidade deste governo autoritário que passamos a vivenciar nestes dias tenebrosos.
Assim,
Leonardo, meu único neto (por enquanto!), quando estudares esta página infeliz
da nossa história na escola, lembre desta carta do teu velho avô; tomara que eu
ainda esteja vivo e lúcido para discutir contigo os detalhes sórdidos deste
período surrealista mórbido do nosso querido Brasil.
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