Na verdade, os gostos são as coisas que mais gostamos de discutir, são
as que geram as discussões mais acaloradas e até explosivas, tanto no futebol
quanto na religião e, especialmente, na política. Por mais que se queira ser
condescendente, não dá para admitir que existe alguma racionalidade entre o que
se diz e o que se faz na ação política, assim como na religião e no futebol.
Estas atividades envolvem uma mera questão de fé cega para levar alguém a acreditar
e continuar se envolvendo institucionalmente na defesa de seus indicadores de
realizações e benefícios na vida das pessoas.
Na ação política, em particular,
todos os governos, sem exceção, sempre têm longas listas de “grandes
realizações” sociais, com números e percentuais que comprovam que “nunca neste
país se fez tanto”... E o país, coitado, se afunda cada vez mais na primitiva
violência urbana da “guerra de todos contra todos”, incrementada pela corrupção
e pela crônica falta de crescimento
econômico.
Mas
o enfoque que literariamente me fez reproduzir este tema foi o sintetizado pela
metáfora das “brincadeiras infantis” que utilizei na ocasião, para justificar a
alienação política. Disse que tanto as discussões de interesses
político-partidárias, como as análises dos campeonatos e méritos futebolísticos,
bem como as desavenças sobre quais cultos religiosos conduzem mais almas ao
paraíso, são filosoficamente como brigas de crianças, em que aos adultos não
convém tomar partido.
Para quem se move dentro destas esferas sectárias do
entretenimento humano (futebol, religião e política) é difícil perceber que
existem outras esferas mais abrangentes, tais como a literatura e a filosofia. Dentro
desta metáfora de “jogos infantis”, caberia aos adultos, por serem (em tese)
filosoficamente mais esclarecidos, fazer com que as crianças não briguem, lhes
explicando que estas disputas acaloradas fazem parte proposital das
brincadeiras, para torná-las mais vibrantes e envolventes. Caberia aos adultos
orientar as crianças que tudo não passa de puro entretenimento e diversão,
recursos que culturalmente utilizamos enquanto esperamos que a consciência
humana evolua lentamente, através dos milênios de história da humanidade, até atingir
sua absoluta realização cósmica. Caberia exemplificar que há pouco tempo atrás
jogávamos gladiadores para os leões na arena, hoje já nos divertimos em apenas vibrar
com um belo gol a favor do nosso time, com um emocionante sermão do pastor da
nossa seita ou com um discurso inflamante de um político de nossa facção
partidária. Como adultos, nos caberia confortá-las, em suas naturais ansiedades
infantis, dizendo-lhes que há grandes progressos cênicos, a partir da Revolução
Francesa e, agora, com a falta de água em São Paulo, com o “efeito estufa” e o “buraco na camada de ozônio”, há
forte tendência no sentido da liberdade da razão, de sua maturidade e
predominância nas ações humanas no planeta.
Mas esta metáfora suscitou em mim o problema colocado
no filme “A Cidade de Deus”, em que as crianças se organizaram em gangues armadas
e cresceram dominando com esta lógica as favelas... daí as cidades, as nações e
o mundo. Assim, as gangues que se dedicaram às brincadeiras de poder político
(oriunda da antiga brincadeira ingênua de polícia e ladrão), estão por aí,
desde a Casa Branca até o Palácio da Alvorada e o Piratini, brincando de
convencer todo mundo, pela retórica de distintas dialéticas, que se trata de
uma realidade séria e única, que a coisa é pra valer. Seguem viajando na
maionese virtual e convictos de suas razões irracionais, seja de Esquerda, de Centro
ou de Direita.
De minha parte, atualmente prefiro brincar com as
gangues das Escolas Carnavalescas, que têm mais consciência que atuam no mundo
dos espetáculos. Apesar de também haver fanatismos entre as diferentes
comunidades, em geral as gangues carnavalescas ainda costumam reconhecer a
importância dos adversários, sem os quais não haveria o lúdico das brincadeiras
e das suas manifestações artísticas. Digo “ainda” em função da polêmica criada
pela Escola de Samba Beija Flor do Rio que este ano aceitou promover a
divulgação de uma ditadura cruel da África em troca de um patrocínio
milionário. Já vão longe os tempos em que a contravenção do Jogo do Bixo é que
bancava os desfiles cariocas que se tornaram o maior espetáculo cênico do
mundo. Mas, convenhamos, a vida seria muito entediante sem as acaloradas
discussões sobre futebol, religião, política e carnaval. Discussões que,
sabidamente, não levam a nada, mas que tanto nos divertem nos nossos jogos
infantis: Sou vermelho e branco, sou Imperadores do Samba, sou bicampeão do
carnaval!
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