Depois
de invadir a Europa, o sonho de consumo da nova classe média brasileira é se
banhar nas águas mornas e calmas do mar azul turquesa de Cancún, no extremo
leste do México. E nós, mesmo sendo considerados pelo IBGE como membros da
velha classe média, mas que só agora estamos realizando as viagens turísticas
que demarcam o imaginário brasileiro (as praias do litoral nordestino, a
natureza de Fernando de Noronha e as medievais velharias arquitetônicas europeias),
também fomos nessa onda de cumprir o nosso roteiro em Cancún. Fomos através da
CVC em comemoração aos meus 60 anos de idade, festejando a chegada da minha
velhice e também inaugurando o novo estado civil do casal como de “velhinhos
aposentados”: Magda y Yo estamos jubilados!
Viajamos
para Cancún no início de dezembro contrariados, pois queríamos ir em fevereiro,
no auge da temporada. Mas os preços das passagens aéreas estavam tão
exorbitantes para aquele período do ano que quase inviabilizaram a viagem.
Então, por já sermos aposentados e podermos viajar quando quisermos, pudemos flexibilizar
a escolha da data da viagem até encontrarmos valores compatíveis. Fechamos um
pacote de nove dias, com saída direta de Porto Alegre em voo da Copa Airlines,
com conexão no Panamá, por cerca de seis mil reais por pessoa, incluídos três
passeios. Na linguagem popular, o pacote turístico saiu pela bagatela de oito
salários mínimos parcelados em dez vezes no cartão de crédito ao longo de 2015,
como lembrancinhas nas faturas mensais da nossa viagem ao Caribe...
O fuso
horário de Cancún é de menos quatro horas, ou seja, quando se está tomando café
da manhã lá, já estão almoçando por aqui; quando está se jantando nos hotéis
“all inclusive” (com comida e bebida, tudo incluído e liberado), o pessoal aqui
já está dormindo pesado. O problema não é o fuso horário, isso as redes sociais,
o WhatsApp e a internet resolvem; o problema começa quando tardiamente nos
damos conta da inversão das estações do ano: enquanto em dezembro estamos
entrando no verão aqui, em Cancún está começando o inverno. Percebi
virtualmente isso no site da Vivo, quando ativava o roam internacional no
celular, ao visualizar que o México não fica geograficamente na caliente América Central, fica na fria América do
Norte, junto com EUA e Canadá... Maus presságios. Sentimos na pele a grande
decepção da viagem ao entrarmos eufóricos pela primeira vez no mar do Caribe: a
linda água azul turquesa de Cancún é fria nesta época do ano! Imagino como
seria em fevereiro, no auge do inverno caribenho.
Lamento informar, mas não se tem muito como
escapar desta cilada, pois no verão do Caribe mexicano, quando a água do mar
efetivamente realiza nossos sonhos de consumo, de ser azul turquesa e
quentinha, é também a chamada temporada oficial de furacões em Cancún (que vai
de julho ao final de outubro). É também a época de chuvas na região. Por isso,
o verão em Cancún é considerado de baixa temporada turística, e dizem que se
paga preços bem mais baratos pelos riscos implícitos. Mas nem só de mar
caribenho é feito o turismo local, aliás isso é o que menos fazem por lá. As
praias privatizadas na zona hoteleira ficam praticamente vazias, enquanto as
piscinas dos hotéis com serviços de “all inclusive” passam os dias lotadas e
com programações diárias de recreacionistas. Tem também a opção de passeios a
parques aquáticos naturais, como Xcaret e Xel-Há; e principalmente os passeios
culturais às ruinas maias. Entretanto, conforme nos comentou o guia turístico
nativo durante um passeio, apenas 8% dos turistas de Cancún visitam as
pirâmides que ficam nas proximidades da região; preferem ficar ganhando peso nas
piscinas dos hotéis, comendo e bebendo "all inclusive".
Não
foi o nosso caso, pois nem entramos na piscina e, sobretudo, porque não nos
adaptamos nada com os temperos das comidas mexicanas e nem com as versões
mexicanizadas dos cardápios internacionais que ofereciam. Como não comíamos,
também não tínhamos vontade de beber, nem tequila de graça. Com o passar dos
dias a rejeição alimentar foi crescendo e, como cada hotel funciona feito um
navio em alto mar, fornecendo tudo a todos, não visualizamos alternativas de
como romper com o isolamento deste regime de dieta forçada em cruzeiro
marítimo, e fomos nos alimentando cada vez menos até pegarmos, nos últimos
dias, uma forte gripe com tosse, creio que em decorrência do frio intenso do
sistema de ar condicionado em tudo que é lugar.
Mas
antes disso, fizemos belos passeios. Fomos de barco à Isla Mujeres, onde só não
nadamos com os golfinhos adestrados por termos ficado com pena dos bichinhos
que vivem em cativeiros e trabalham várias horas para atenderem ao assédio de
centenas de turistas todos os dias. Ficamos assistindo aos shows dos humanos
surfando nos golfinhos, como se estivéssemos naquelas filmagens
cinematográficas e televisivas dos famosos golfinhos de Miami.
Outro
dia visitamos Tulum, ruínas de uma interessante cidade maia à beira-mar,
protegida por muralhas e habitadas por enormes iguanas, onde depois de
curtirmos relíquias arqueológicas e monumentos históricos, demos um mergulho no
frio Caribe mexicano. Seguimos dali para o parque natural Xel-Há onde almoçamos
e passamos a tarde vendo araras e peixe-boi.
Chichén
Itzá é uma cidade arqueológica maia que funcionou como centro político e
econômico da civilização maia. Estima-se que Chichén-Itzá foi fundada por volta
dos anos 435 e 455 a.C., é da época do mais famoso trio grego: Sócrates, Platão e Aristóteles. As várias estruturas – a pirâmide de Kukulkán (El
Castillo), o Templo de Chac Mool, a Praça das Mil Colunas e o Campo de Jogos
dos Prisioneiros (os maias eram fissurados por jogos de bola!) - fizeram com
que este reduto se tornasse patrimônio da humanidade e Chichén Itzá fosse
eleita uma das sete maravilhas do mundo moderno, junto com o Cristo Redentor do
Rio de Janeiro.
A joia
de Chichén Itzá é a pirâmide de Kukulkan. Esta construção rendeu culto ao deus maia
Kukulkan ("Serpente Emplumada ou alada”, na língua maia), construída no
século XII d. C., cerca de 400 anos antes de Colombo e Cabral invadirem as
nossas praias. Seu desenho em forma geométrica piramidal conta com nove níveis
ou patamares (tempo de gestação da vida). Cada uma das suas faces alinha-se com
um dos pontos cardeais, e cada lado contém uma escadaria central que termina no
patamar superior onde fica o templo. A pirâmide servia aos sacerdotes como
local para fazerem os seus discursos e que, mesmo falando em voz baixa, todos podiam
escutar. O mesmo acontecia no campo de jogos. Isto nós pudemos verificar in
loco: ao se bater palmas em frente a pirâmide ela responde com o eco que imita
o canto de um pássaro da região; no campo de jogos, que os maias jogavam com
bolas de borracha maciça, qualquer som emitido ecoa por sete vezes. Acreditem,
eu vi e ouvi!
As
pirâmides maias demonstram o domínio técnico da civilização maia na astronomia
e arquitetura. A pirâmide de Kukulkan é um relógio solar. Cada um dos quatro
lados contém 91 degraus que somados à plataforma superior, totalizam os 365
dias do ano. O mais fascinante dos mistérios da pirâmide dizem ocorrer nos dias
do equinócio de primavera e outono (21 de março e 22 de setembro). Nesses dias,
o sol nascente reflete os raios na escada da face norte da pirâmide e vai
formando o corpo de luz de uma serpente,
degrau por degrau, até chegar na parte
inferior da pirâmide, onde há a escultura
da cabeça de uma cobra que é completada pelo corpo de luz. Neste momento, todos
podiam ver a imagem da deidade Kukulkan,
uma serpente emplumada descendo a escada ( o reflexo da luz solar vai se
apagando de cima para baixo) e a serpente vai desaparecendo como se penetrasse na
terra para fertilizá-la. Um deus que pode ser visto duas vezes por ano é um poderoso
rito, é de arrepiar! Chichén Itzá é
merecidamente uma das sete maravilhas do mundo moderno, nem tanto por sua
beleza, muito mais por sua ciência e por conter segredos perdidos da
civilização maia.
Talvez
por predestinação astrológica nos foi revelado, meio sem querer querendo, por um xamã maia (que faz biscate como
guia turístico em Chichén Itzá) o significado do mistério da profecia que teria
anunciado o fim do mundo para o dia 21 de dezembro de 2012. A questão tem a ver
com o sistema numérico dos maias que era “bidecimal”, baseado nos vinte dedos
que temos.. A propósito destes assuntos iniciáticos, não contavam com a minha astúcia, tivemos uma aula de antropologia aprofundada
e voltamos de lá como charlatães especialistas no tema. Resumindo, a numeração
maia era representada por apenas três símbolos básicos: a bolinha (unidades de
1 a 4), o traço (=5 unidades) e a concha (=zero e que gera os múltiplos de 20
unidades). Consta, por isso, que eles foram os inventores do “zero”, um grande
avanço praticado por esta civilização, pois nem a romana possuía símbolo para o
zero. As combinações destes três símbolos formavam os números: 2 bolinhas sobre
uma concha (2x20) = 40. Centenas é tipo 2 bolinhas sobre duas conchas (2x20x20)
= 800. Simples assim.
Alguns
mistérios novos se introduziram da magia mexicana durante esta nossa viagem e
voltaram em nossas bagagens vazias de compras e lembrancinhas, mas pesando mais
que a pedra opsidiana que trouxe como amuleto pra minha coleção de amostras de
rochas de um engenheiro de minas. Por exemplo, depois das treze horas de viagem
POA-Panamá-Cancun (sobrevoando trechos da Amazônia, uau!) não paravam de
acontecer coisas. Na chegada, ainda no aeroporto, perdi a única jaqueta que
tinha levado; de cara no hotel Park Royal (em frente ao Shopping Isla) verificamos
que o cofre do apartamento não funcionava e ao lado estava hospedado um nenê
chorão... No dia seguinte, como eu estava contando no início desta narrativa,
além da decepção da água azul turquesa ser fria, na ânsia daquele primeiro
mergulho no mar do Caribe acabei perdendo na areia os meus óculos de aumento “fundo
de garrafa” para enxergar os detalhes pequenos do mundo. Até aí, tudo bem, é do
jogo de ganha e perde da vida.
Mas o
mistério é qual espírito maia fez com que eu levasse, como reserva, também o óculos
antigo, de aumento já bastante insatisfatório, se nunca antes tivera esta
premonição em viagens de que iria perder os óculos? Graças a esta misteriosa
premonição, pelo menos pude continuar lendo os títulos dos cardápios e não
ficar completamente às cegas durante o tempo todo por lá: salvou o veraneio.
E não é
que a jaqueta que eu havia perdido na chegada voltou para mim, trazida pelo
motorista da van do receptivo do aeroporto para o hotel? Mas nunca pararam de
acontecer coisas estranhas. No último dia, mesmo gripado e meio febril, decidi
aproveitar para realizar o sonho de voltar a andar de jet-sky, já que por aqui
passou a ser proibido para não habilitados. Na medida em que eu me aproximava
do ponto de aluguel do jet-sky, os três equipamentos que estavam disponíveis
entraram mar adentro na minha frente. Então, novamente algum espírito maia me
soprou no ouvido que aquilo era um aviso para eu não pegar uma pneumonia na
água fria daquela tardinha ventosa com chuviscos e aguaceiros.
Cancún
quer dizer “ninho de cobras” na língua maia. Pela quantidade impressionante
de brasileiros que encontramos ocupando a zona hoteleira de suas praias e os
points top de passeios, acabo este relato de viagem concluindo que no
imaginário da nova classe média brasileira o Caribe se resume a Cancún, que é o
ninho caribenho dos brasileiros. Mas fiquem espertos para escolherem o período e
os objetivos certos para irem a Cancún, pra não caírem em ciladas e decepções
que os façam voltar com a sensação de que faltou praia, que faltaram banhos de
sol e de mar; pra não voltarem até achando ótimo Capão da Canoa.
Feliz ano 2015 ! Com um pouco de atraso...
ResponderExcluirAdoro essas experiências tão emocionantes e cativantes !
Que venham muitas outras viagens do casal aposentado, onde usufruam o que há de melhor, o conhecimento “ao vivo” de todas as culturas. Muitas Felicidades pra vocês.
Abraço, Carla :)