Ao assistir “Lula, o filho do Brasil”, o filme patrocinado por grandes
empreiteiras e que foi lançado no ano eleitoral de 2010, prometendo ser uma
peça chave naquela campanha de sucessão presidencial do Lula, para mobilizar os
sertões sem fim, irrigados pela distribuição de renda do “Bolsa Família”, não
pude evitar de me comover às lágrimas. Assim como eu, milhares de
brasileirinhos por estes brasis a fora se identificaram com aquela história
pessoal como sendo, em parte, a filmagem de suas próprias vidas. Mas, no meu
caso, achei que valia explorar este tema como uma crônica literária sobre as nossas
semelhanças de trajetórias e as grandes diferenças de desfechos.
Como
o Lula, eu e minha família também viemos do interior, migrando da miséria do
campo para a pobreza da cidade grande. Também vivenciamos o drama de ter um pai
alcoólatra e de sermos oito filhos: quatro homens e quatro mulheres. Sendo que
ocorreu com o meu pai praticamente o mesmo que aconteceu com o pai de Lula, morreu
longe da família, no ostracismo, em outra cidade.
Como
o Lula eu também tive um professor que, por me julgar inteligente e
diferenciado dos demais colegas de internato público estadual (FEBEM), se
interessou em me adotar. Igualmente esclareci a ele que não estava interessado
em ter outra família, que preferia continuar vivenciando com a minha família,
mesmo que fosse apenas durante as férias de verão, com todas as penúrias de sua
pobreza, do que usufruir do conforto de uma família adotiva.
Assim
como para o Lula, que o primeiro vislumbre da política teria ocorrido numa
assembleia esvaziada do sindicato, quando sentiu que a militância da agitação
político-sindical era um ímpeto forte e inevitável na sua vida; para mim foi
numa assembleia tensa dos estudantes da UFRGS em greve no início da década de
80, antes da redemocratização do país.
Como
o Lula, eu também me envolvi com militância político-partidária e sindical,
nesta ordem, portanto na ordem contrária dele que foi do sindicalismo para a
construção do partido. Fui seguindo suas pegadas, após acatar seu chamado para
a construção de uma ferramenta política para a classe trabalhadora, o PT, eu no
núcleo de base comunitário do bairro Jardim Botânico, no lendário Núcleo JB.
Depois eu me joguei de corpo e alma, por cerca de dez anos, abandonei a
faculdade pela construção de uma consciência de classe sindicalista na minha
categoria funcional dos muncipários. Lula era o nosso grande ícone nacional que
pregava, naquela época, autonomia e unidade sindical sem aparelhamento
partidário!
Como
o Lula, eu também tive um período de grande consumo alcoólico (detalhe omitido
pelos marqueteiros do filme). Juntamente com outras lideranças e militantes,
costumávamos ficar até altas horas de beberagem nos bares fazendo análises e
comentários políticos das disputas internas e externas do partido e do
sindicato. Inclusive até tomei umas cervejas e cachaças com o próprio Lula na
casa do meu falecido irmão, na campanha eleitoral de 1982, e muitos tragos com
o Olívio Dutra que, quando prefeito, compareceu para prestigiar a minha festa
de formatura como engenheiro da UFRGS.
Como o Lula, guardadas as proporções, eu também
percorri uma trajetória de ascensão como liderança e dirigente sindical, no meu
caso como presidente fundador da associação pré-sindical dos municipários
portoalegrenses, a AMPA (embrião do SIMPA, pois naquela época funcionário
público ainda não podia constituir sindicato).
Como
ocorreu com o Lula, do meu primeiro casamento não ficou nenhum filho. Apenas
que para mim o seu fim foi menos trágico, não fiquei viúvo e sim divorciado no
litigioso. Mais do que o Lula, que no seu segundo relacionamento conjugal teve
só uma filha, a Lurian (que os marqueteiros estrategicamente omitiram a sua
existência no filme), no meu segundo relacionamento eu tive duas filhas.
Assim como o Lula, o meu terceiro relacionamento
conjugal também está sendo com uma mulher que já tinha um filho (que passou a
ser o Meu Garoto em uma feliz realização de pai), mulher com quem eu também
continuo a minha humilde caminhada por esta vida.
Assim como o Lula vivenciou a
experiência de convencer a categoria em greve de que é hora de voltar sem a
vitória, para não ter que voltar depois derrotados e humilhados; eu também vivenciei
o engolir sapo de uma negociação tensa e matreira com o prefeito Collares, em que tive que defender o retorno ao trabalho em uma assembleia com milhares de
colegas, mesmo sendo chamado de “traíra”, como no filme, pelos porra-loucas
radicais new-petistas; eu também obtive o voto de confiança da categoria.
Como o Lula, eu também tenho um
diploma do SENAI, apenas que não é de torneiro-mecânico, é de tipógrafo, ofício
praticamente extinto, mas que também envolvia o risco da perda de dedos nas
guilhotinas motorizadas de cortar papel. Felizmente, embora tantas semelhanças entre
nossas trajetórias, aqui começam as grandes diferenças de desfechos. Mantive as
minhas mãos intactas.
Lula e eu somos aposentados: ele com
uma aposentadoria especial das vítimas da ditadura, e eu por tempo de serviço e
idade. Lula e eu recebemos aposentadorias integrais, o equivalente ao último salário
na ativa; ele como metalúrgico e eu como servidor público. Lula conquistou sua
aposentadoria aos 51 anos de idade; eu também poderia ter me aposentado com
esta idade se ele não tivesse estabelecido posteriormente a idade mínima de 60
anos em sua Reforma da Previdência Pública como mandatário da nação. Talvez a
grande diferença dos desfechos de nossas trajetórias é de que, ao contrário do
Lula e por culpa dele, me desvinculei do PT e do engajamento partidário, tornei-me
#umsempartidos!
Assim como o Lula dedicou postumamente
à sua mãe o seu diploma de presidente do Brasil ao colocar o PT no poder
(naquela maravilhosa celebração da democracia que foram as cenas de sua posse,
cenas que faltaram constar no encerramento do filme), eu também dediquei à
minha mãe o meu diploma de engenheiro pela UFRGS. Lula em sua posse como
presidente já era órfão de pai e mãe; enquanto eu, por sorte de desígnios do
destino, ainda usufruo da convivência com a minha velhinha mãe de 90 anos. Estou,
portanto, mais verdadeiramente para filho do Brasil do que ele. Lula, como
Getúlio Vargas, já entrou para a História deste país como “pai dos pobres
transformados em uma nova classe média de consumo”. Agora falta incluir com
sustentabilidade na agenda política os filhos da floresta amazônica (povos
indígenas, seringueiros, ribeirinhos e quilombolas) como também sendo filhos
legítimos do Brasil.
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