O João, que estava entre aqueles
aposentados desaparecidos há muitos anos, outro dia reapareceu. O encontrei no
“Caminho dos Aposentados”, na trilha que leva do Gabinete Médico do Dmae até a
farmácia Panvel conveniada mais próxima, que fica no posto de gasolina na Av. Ipiranga.
O cara trabalhava no refeitório da DVM, num tempo em que a cozinha fazia café
com leite pela manhã para oferecer para todos os funcionários que
quisessem. Nessa época a cozinha também
fornecia café preto em térmicas para todos os setores e equipes, tanto pela
manhã quanto pela tarde, e até para o pessoal em serviços extraordinários
noturnos e de finais de semana.
Naquele tempo, antes do Prefeito
Collares acabar com o fornecimento de café para os servidores (medida tomada
com estardalhaço, como sendo uma grande economia para os cofres públicos), o
refeitório era um local de encontro e de recreação da peonada. Era onde se
jogava dominó e carteados rapidinhos, nos intervalos do trabalho. É, havia
intervalos do trabalho! A coisa era super ordenada, havia horários limites para
tudo: para encerrar o café da manhã, para a hora do lanche matinal e do
vespertino (que ocorriam no meio de cada turno de expediente) e para abrir o
refeitório para o almoço. Fora destes horários o refeitório ficava fechado para
os demais servidores que não trabalhassem na cozinha. Na época do João, era a
Vera, hoje já falecida, quem fazia o café para todos e também o almoço para
aqueles que contribuíam financeiramente para a compra dos mantimentos.
Então, todos estes horários para
abertura e fechamento do refeitório eram anunciados por uma sirene que soava no
páteo de DVM. Como na década de 80 ainda não havia automações eletrônicas, a
tal sirene era acionada manualmente pelo João. Assim, quando se aproximavam os
respectivos horários de liberar o refeitório para o livre acesso da peonada, o
pessoal começava a gritar, pelas portas dos pavilhões, por pura algazarra
coletiva, até a sirene apitar:
- Apita João!
O João, que no Dmae trabalhava
como auxiliar de serviços gerais com a nobre função de apitar a sirene,
costumava fazer biscates como garçom em bares e eventos noturnos. Seguidamente,
portanto, ele vinha trabalhar “virado”, direto da sua atividade de garçom e
aproveitava para recuperar o sono durante os horários em que o refeitório
estava fechado. Costumava dormir deitado nos bancos de madeira entre as mesas.
Então, para não correr o risco do dorminhoco perder a hora de apitar a sirene,
o pessoal começou a tradição de gritar o
que depois virou um folclore:
- Apita João!
Com o passar do tempo veio a
inexorável evolução tecnológica, e a sirene foi então conectada diretamente ao
relógio ponto, de forma que ela passou a apitar automaticamente, sem precisar
mais da intervenção do João. Contudo,
pelo divertido espírito de gozação, permaneceu o ritual de anunciar os horários
de abertura do refeitório com os gritos pipocando pelo pátio:
-Apita João!
Mas o João passou a se irritar
com aquela ”zoação” pro seu lado todo o santo dia nos horários de se liberar o
refeitório para a peonada, e começou a responder aos gritos:
- Quem apita é a mãe!
Por
um longo período ainda se ouvia esta trova no páteo da DVM:
- Apita João!
- É a mãe!
Assim,
o João acabou incorporando a sua função como um apelido, e passou a ser
conhecido como “O Apita João!”.
Quando o vi eu
gritei do outro lado da rua abanando para ele:
-Apita João!
-É a mãe! – Respondeu ele, rindo
com sua boca nua escancarada.
Então
conversei rapidamente com o Apita João no Caminho dos Aposentados, ele disse
que continuava atuando como garçom. Mas vendo ele tão envelhecido e
completamente sem dentes, saí convencido que com a decrepitude da idade a gente
não apita mais nada mesmo...
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