Este blog também é um fórum para
se discutir os temas pautados pela grande mídia, como fizemos nos movimentos
que fizeram o Brasil tremer em junho, e a epidemia de julho que abordaremos
agora sobre o levante dos médicos e estudantes de medicina. Com a paralisação e
protestos dos médicos que ocuparam as ruas pelo país, parei para ler e tentar
entender as letras em garranchos dos cartazes com seus diagnósticos contrários ao Programa Mais Médicos. Programa
em que o governo federal finalmente se propõe a garantir o salário dos médicos
formados que forem clinicar nas cidadezinhas por este Brasil afora, dando preferência para médicos
brasileiros, mas também abrindo para os estrangeiros e até cubanos ou
marcianos!
Em uma crônica denominada
“Medicina não é um parque de diversões”, do médico JJCamarco, chefe do Setor de
transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, entendi a
problemática colocada pelos profissionais da área, mas não me convenci, pelo
contrário. A crônica narra a desventura de um jovem médico que, cheio de
empolgação e entusiasmo, seduzido por um salário de R$ 11,5 mil, decidiu se
aventurar no interior do país. Logo descobriu que aquilo era só uma isca para
atrair os incautos. Já no primeiro dia atendeu,
no precário ambulatório, um paciente com diagnóstico de apendicite
aguda. Sem sala de cirurgia e sem anestesista na cidade, o procedimento
burocrático era o médico comunicar ao posto de saúde do município que
contataria com o posto de um município maior daquela macrorregião. Após
constatada a efetiva urgência, depois de confirmada a existência de vaga
hospitalar, o órgão trataria do ritual da ambulância para transferência do
paciente...
A burocracia
da falta de estrutura do pequeno município levou 48 horas para cumprir o
ritual, mas o paciente morreu de apendicite supurada antes de fazer a cirurgia.
O jovem médico, diante da pior tortura, que é assistir a uma morte evitável,
esbravejou e chorou no seu quarto de
pensão interiorana. Depois de dois meses deixou de receber o seu salário, sob
alegação de que a prefeitura não tinha mais recursos. Então descobriu que tinha
sido contratado por uma empresa fantasma e que não tinha nenhum vínculo
empregatício com a prefeitura daquela cidadezinha. As lágrimas secaram e,
indignado, foi empurrado junto com os demais médicos humilhados para os
protestos de rua. Quem não entende isso, não sabe nada do que significa ser
médico, conclui JJCamarco na sua crônica (ZH-VIDA-20/07/2013).
Ok, é de chorar a situação de
abandono da assistência médica das cidadezinhas interioranas e pobres, confesso
que fui às lágrimas com o final trágico do paciente da crônica, pois eu tive
apendicite aguda e fui operado de emergência no Pronto Socorro Municipal. Mas
depois fiquei matutando dentro da minha cachola que alguma coisa precisa ser
feita e com urgência. Tudo bem, no caso o jovem médico abandonou o posto, não
apenas pela dramática falta de estrutura para o atendimento, mas principalmente
por falta de pagamento do seu salário.
Abandono por justa causa. Este é o ponto que o Programa Mais Médicos
emergencialmente se propõe a solucionar: garantir o pagamento dos salários aos
médicos através de vínculos contratuais por tempo determinado com o governo
federal. A idéia complementar é tornar esta prática no SUS como uma espécie de
formação acadêmica mais humana e menos mercantilista da medicina, através do programa
de residência Médicos para Todos.
A questão da dramática falta de
estrutura de atendimento da crônica continuou lá na tal cidadezinha interiorana,
que agora não tem sequer médico...Continuei matutando aqui na minha cachola:
este paciente da apendicite suturada por pouco não se salvou, mas quantas
outras mortes evitáveis estes médicos no interior podem evitar? Mesmo estas
condições precárias da saúde pública no interior, penso que só vão se modificar
na medida que houver um médico nas comunidades. Depois de terem Médicos para
Todos, certamente vão se aglutinar para não retrocederem, vão passar a exigir
investimentos do governo municipal e estadual na estrutura de atendimento da
saúde da população no município, e não apenas em ambulância-terapia para levar
pacientes para a cidade grande.
Os Programas Mais Médicos e
Médicos para Todos podem vir a ser os primeiros passos para a longa caminhada
de interiorização da assistência médica e de ampliação do mercado de trabalho
com qualidade para os jovens médicos, bem como das respectivas melhorias das
condições de atendimento para a população por parte de todos os outros profissionais
da saúde que são contra a lei do monopólio do Ato Médico!
Com certeza, alguma
coisa precisa ser feita com urgência:
- Mais Médicos
para Todos JÁ!
http://www.cebes.org.br/
ResponderExcluirTenho total concordância sobre este artigo. Existe um ponto nesta discussão que não é tocado que tem a ver com o papel social naturalmente inserido na profissão de médico. É certo que os profissionais não podem arcar com o passivo que existe na infra-estrutura em saúde e que não podem ser compelidos a fazê-lo. Mas vamos lá, ninguém começa uma carreira com todas as condições de tempo e temperatura senão isto não seria Brasil, um país com muitas mazelas e tentando deixar de ser terceiro mundo.
ResponderExcluir