Perambular por horas, de banca em banca, até a exaustão física e mental, sem deixar escapar nenhuma alameda da praça da Alfândega, é um ritual quase religioso que praticava anualmente desde jovem, na procissão literária com cada vez maior número de fiéis na Feira do Livro. Houve tempo em que vasculhava livro por livro em cada um dos balaios de ofertas, como quem procura pepitas preciosas dos clássicos da literatura em edições antigas, barateadas pelo amarelado do papel com cheiro de mofo e roído de traças. Eu tinha todo o tempo pela frente para ler...
Na última década, já “cinquentão”, não deixei de marcar presença em todas as edições da feira, mas fui ficando cada vez mais seletivo. Já não visitava a Feira do Livro em vários dias, como antigamente, e tampouco rastreava minuciosamente os balaios de saldos, apenas dava uma visualizada geral assim como nas capas e títulos dos livros expostos nos balcões das bancas. Não fazia mais questão de percorrer todas as alamedas, preferia ir diretamente para as seções de meu maior interesse momentâneo nas bancas das livrarias especializadas nos assuntos:jornalismo, filosofia, espanhol, literatura, etc.
Agora, às vésperas de ser um “sessentão”, começa a ficar demasiadamente cansativo perambular por horas, de banca em banca, e a exaustão física e mental com a aglomeração e o calor está ficando cada vez mais precoce. Começa a me parecer estranho olhar centenas (ou será milhares?) de capas de livros, lendo automaticamente seus títulos, até que algum mobilize a mão para pegá-lo, abrir e ler parte da orelha...
A verdade é que já não tenho mais tanto tempo pela frente para ler, e a demanda reprimida de livros que “preciso muito ler” constituem uma lista tão grande que começo a pensar que não vou dar conta nesta existência. Avalio que ocorrem dois agravantes que dificultam a realização do meu rol de leituras essenciais, um é que sempre surgem novas demandas contemporâneas que furam a fila dos cânones, e o outro problema é que sempre acabo priorizando escrever em detrimento de ler. No momento estou lendo Antologia General de Pablo Neruda, Contos Reunidos de Moacyr Scliar e Ulisses de James Joyce; isso nos raros momentos entre um escrito e outro que vão brotando inesperadamente. Que cachaça!
Talvez este meu desencanto com as auras de magias que a Feira do Livro ostentava no meu imaginário seja uma coisa momentânea, um estado de espírito depressivo decorrente do episódio que ocorreu no ônibus em que me dirigia para o centro da cidade para chegar na feira. Passageiro com pouca prática de andar de ônibus em pé, fiquei meio atrapalhado e cambaleante para pagar a passagem e guardar o troco na carteira, quando uma mulher jovem, cheia de livros e pastas no braço, levantou com determinação e ofereceu o seu lugar para este ostensivo velhinho (eu) sentar: a primeira vez a gente nunca esquece!
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