Eu estava ficando convencido que já havia contado aqui todos os causos pitorescos ocorridos durante as três décadas que convivi diariamente com o pessoal da manutenção do DMAE, pelo menos aquelas histórias que ficaram gravadas em mim e que volta e meia são ressuscitadas em conversas reminiscentes com alguém daquela época. Mas hoje me ocorreu, como uma bolha que emerge na memória das profundezas do poço estagnado do tempo, o episódio da automatização do portão da EME (sigla antiga da Divisão de Manutenção), que merece ser contado.
Estávamos no final da década de 1970 do século passado, ainda não se falava em automação, mas já estava se popularizando as automatizações, especialmente as de portões de indústrias e condomínios, com acionamentos por meio de chaves ou se apertando um botão. Recém saído do curso técnico de eletrônica, cheguei na área de manutenção querendo não só mostrar serviço como aplicar aquelas teorias todas estudadas na Escola Técnica Parobé. Estava, então, fazendo estágio no que era chamado de “Laboratório da Seção Elétrica”, junto com o João Urbano (o Joãozinho vulgo Cocadinha, que está aproveitando a aposentadoria faz muitos anos!) que era uma espécie de faz tudo eletro-mecânico, além de biscatear como relojoeiro nas horas vagas.
Automatizações de sistemas através de circuitos não eletrônicos (antes da era dos controles remotos), apenas com chaves contactoras eletromagnéticas era, a meu ver, a parte mais criativa do ofício; a parte que eu mais gostava de fazer, onde podíamos inventar à vontade. Lembro, por exemplo, que automatizei o acionamento do gerador de energia elétrica movido à gasolina para suprir a iluminação predial e das oficinas quando faltasse a energia fornecida pela concessionária CEEE. Não resultou muito útil, mas funcionava. Fui membro da geração do silício, mas nunca cheguei a Steve Jobs ou Bill Gates; o máximo que montei foi o rádio que ouvíamos no laboratório, feito com uma dúzia de componentes comprados na Av. Alberto Bins.
Ex-Diretores da DVM:
Ex-Diretores da DVM:
Então, o chefe da elétrica na ocasião era o saudoso engenheiro Paul Emil Hartmut Ghëring (outro já falecido que aproveitou por pouco tempo a aposentadoria), alemão que falava com sotaque germânico e que era irmão do Horst, também engenheiro elétrico e destacado projetista do Dmae. Sei que eu tinha bolado um sistema motorizado de acionamento para fechar e abrir o portão de entrada de veículos do pátio da manutenção, que consistia num cabo de aço que enrolava e desenrolava num tambor. Montamos toda a traquitana, o Joãozinho e eu, ligamos o motor que através de uma polia transmitia o movimento por uma correia para a polia do tambor que enrolava o cabo de aço para um lado ou para o outro, conforme se queria fechar ou abrir o portão. Tudo calculado e bem feitinho, mas no primeiro teste quase arrancamos o portão devido à alta velocidade que o mecanismo funcionou. Estávamos ainda atônitos com o fracasso e sem sabermos exatamente qual foi o nosso erro, quando o Dr. Hartmut (naquela época chamávamos os engenheiros de “Doutor”) que assistia tudo fumando sem parar exclamou:
- Posso dar uma ideia?...Desmancha tudo!...
- Desmanchar tudo, Doutor?...
Esta expressão do Hartmut “Posso dar uma ideia? Desmancha tudo!” se tornou clássica na manutenção, sempre que se queria dar um palpite sobre algum serviço. De fato, seguindo a ideia dele, introduzimos um redutor de rotação no sistema e o portão da EME foi o primeiro a ser automatizado em todo o DMAE, com o guarda acionando o dispositivo através de botoeira instalada dentro da sua guarita.
Em órgãos públicos todas as iniciativas pessoais têm o bônus e o ônus. Como mérito, nos sentíamos orgulhosos de sermos pioneiros na modernidade de termos o portão automatizado; o nosso ônus é que ninguém queria botar a mão para consertar quando dava problema no sistema, éramos sempre chamados para fazer a manutenção:
- Vão lá consertar aquele portão de vocês!
- Vão lá consertar aquele portão de vocês!
No laboratório da elétrica estávamos estudando, naquela época, como resolver o problema do alto ruído de vibração que os contactores Siemens (contatos elétricos acionados por bobinas com eletroímãs) de grande porte faziam, quando o Hartmut, sempre fumando, deu a ideia de adicionarmos no circuito um retificador para corrente contínua na bobina do contactor. Fizemos a experiência e funcionou super bem: o roncador virou silencioso! Levamos a ideia para o escritório da Siemens que aparentemente não se mostrou muito interessada, porém, tempos depois, os novos contactores já vinham da fábrica com o dispositivo de “corrente contínua” acoplado.
Grandes figuras. O Hartmut vivia pedindo para o Cocadinha fazer “serviçinhos” pessoais, dado que o cara, enquanto relojoeiro, era muito habilidoso e caprichava nos acabamentos. Então era um tal de “Joãozinho preciso isso de ti, Joãozinho preciso que me faça aquilo”...até que um dia o alemão entrou esbaforido na sala e exclamou:
- Joãozinho preciso do teu sangue!
-Quer até o meu sangue Doutor?!?...(era para doação pra um parente doente).
-Valeu Hartmut e João Urbano!
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