Os meus colegas
de “cela”, certa vez, cerca de um ano e meio antes de eu terminar de cumprir a
minha sentença e me aposentar, chegaram empolgados com a palestra empresarial
de neurolinguística motivacional do tipo “auto-ajuda”, promovido pelo
Escritório de Qualidade. Esta prática empresarial busca agora promover o
trabalho ao status de “sentido da vida” das pessoas modernas, já que a vida
perdeu o seu sentido transcendental na sociedade contemporânea e este lugar
está vago. Por esta pseudo corrente filosófica a pretensão de se aposentar com
saúde seria uma negação da vida, uma opção pelo tédio e niilismo!...
A propósito de
religião, com a sua sabedoria peculiar o Dalai-lama diz que “os cientistas são
crentes e os budistas são céticos”, e não o contrário, como se poderia
imaginar. A ciência é crente em suas teorias e hipóteses, já os budistas são
ateus.
Mas após também a ciência moderna
perder o seu status de potencial candidata a ser o sentido da vida, por não ter
conseguido propiciar a construção de uma sociedade justa e fraterna, a
tendência gerencial pós-moderna é de fazer do trabalho uma espécie de religião.
Com a globalização da economia, as antigas motivações de vantagens salariais e
sociais são coisas do século passado. Como só resta a perspectiva de perdas e
desempregos, os mega-empresários multinacionais (aqueles que no budismo se diz
que vivem no mundo dos deuses, os donos do mundo que têm tudo para serem
felizes) estão querendo canalizar para o trabalho toda a energia devocional com
que os crentes se dedicam voluntariamente aos seus cultos, com custo zero.
Neste sentido,
os grandes executivos e políticos (que no budismo se diz que vivem no mundo dos
semi-deuses, seres que vivem guerreando entre si e com os deuses – Guerra de
Titãs - querendo também eles virem a ser mais um do mundo dos deuses, através
do lucro ou de desvios do dinheiro público) estão catequizando as massas de
assalariados com estas palestras motivacionais através da seita dos Programas
de Qualidades, como o PGQP do Sr. Gerdau no território gaúcho.
Os deuses e semideuses (ricaços,
executivos e políticos) precisam repensar este modelo de civilização motivada
pelo consumismo desenfreado de “supérfluos” tecnológicos que, além de terem
alto custo de danos ao meio ambiente em sua produção, rapidamente ficam
obsoletos e se transformam em lixos não degradáveis e altamente poluentes. O
paradoxo fatal é que se houvesse uma inclusão social mundial das populações que
hoje vivem em condições sub-humanas, inclusão em que todos os seres humanos
tivessem um padrão classe média de consumo semelhante ao europeu ou americano
(que é a felicidade que todos almejam), precisaríamos de dois ou mais planetas
para sustentar tais demandas. Neste modelo vigente, para haver o bem estar de
alguns precisa haver a miséria degradante de muitos.
Todavia, os
donos do mundo e seus executivos/políticos estão buscando incorporar a
metodologia da pregação teológica sobre o pessoal que vende sua mão de obra,
visando neutralizar a surrada dialética
ideológica da mais valia do senhor-escravo e patrão-empregado e, é claro,
sempre visando aumentar a produtividade e o lucro e diminuir o custo.
Assim, vendo a empolgação dos
meus colegas com estas palestras motivacionais de promover o trabalho ao altar
de ser o sentido da vida de cada trabalhador,
me sentia triplamente cético sobre a mistificação do trabalho: por eu
ser ateu, ser anarquista e, na época, ser um aposentaNdo convicto...Cada vez
com mais razão agora, depois de dois anos vivendo a vida integralmente dedicado
às minhas coisas pessoais e familiares, posso dizer aos novos aposentaNdos: Não
caiam neste canto de sereia desta Guerra de Titãs, viver com liberdade diária é
o verdadeiro sentido da vida, é o maior barato.
AposentaNdos do mundo, uni-vos e
libertem-se!
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