Entre as
homenagens midiáticas pela morte de Oscar Niemeyer, que ocorreu faltando poucos
dias pra ele completar 105 anos, uma frase sua me suscitou várias conexões
reflexivas do posicionamento político dele com o de outros monstros sagrados
que são meus gurus. Niemeyer, “que foi autor de uma grande obra e foi um homem
maior do que sua obra” (frase de Chico Buarque), morreu reafirmando sua
convicção: “O Comunismo é o único meio de
melhorar o mundo, mas antes tem que se melhorar o homem”. Com a morte do
mundialmente reconhecido arquiteto Niemeyer (o Gaudí brasileiro), que impregnou
de arte o concreto armado com curvas femininas, morreu também o último
comunista autêntico da Velha Guarda Utópica, da fantástica geração de libertários
engajados, de Jorge Amado e Pablo Neruda (como também foram os avós maternos
das minhas filhas, Milton e Sibila, que homenageio aqui como ativos militantes de base, inclusive na clandestinidade do
PCBão nos tempos de chumbo, quando era crime ser do Partido Comunista).
Ferreira
Gullar, outro monstro sagrado, com oitenta e dois anos de idade, o maior poeta vivo brasileiro, ex-militante do Partido
Comunista, sentencia: “Não tenho dúvida
nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. A
luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos
direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado
é achar, como Marx diz, que quem produz a riqueza é o trabalhador e o
capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um
depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez de escrever
poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas. Mas é
um equívoco concluir que a derrocada do socialismo seja a prova de que o
capitalismo é inteiramente bom. O capitalismo é a expressão do egoísmo, da
voracidade humana, da ganância. O ser humano é isso, com raras exceções.
Ferreira Gullar faz a seguinte releitura histórica:
O capitalismo é forte porque é instintivo. O socialismo foi um sonho
maravilhoso, uma realidade inventada que tinha como objetivo criar uma
sociedade melhor. O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade
real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível.
Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas
de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas
dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de
pessoas. Não tem cabimento. Não acho que o capitalismo seja justo. O
capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e
exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Quem quer
corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade criativa do capitalismo é
fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque
é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o
capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.”
Tem
que se respeitar a releitura do nosso grande poeta, pois faz todo o sentido vindo
de quem foi protagonista das lutas pelo socialismo no século XX, hoje um
experiente libertário franco-atirador.
Cá entre nós,
até pouco tempo atrás eu não vacilava em classificar o Luis Fernando Veríssimo
como o melhor cronista gaúcho, mas nos últimos anos tenho preferido as crônicas
do seu inimigo público número um, o Juremir Machado. A propósito deste dois
escritores e jornalistas, por ocasião da gripe que quase levou o L.F.V. junto
com o Niemeyer, o Juremir escreveu a crônica “Torcida por Veríssimo”, onde diz
que não se arrepende de ter criticado (e por isso ter perdido o emprego na RBS)
o pouco engajamento do seu pai Érico contra os abusos da ditadura, mas que
reconhecia que “num ponto o Luis Fernando
tinha razão: a sua crítica à direita. O posicionamento político de Veríssimo é
digno de aplauso. A direita odeia ele, pois mesmo pedindo sua cabeça aos
patrões, não conseguiu. L.F.Veríssimo pragmaticamente mirava o alvo certo: o
reacionarismo das elites no Brasil.”
Ao se tornar
desafeto do Veríssimo, parte da direita passou a gostar de Juremir, conforme revela
em sua crônica, como se por isso passasse a ser também um reacionário. Contudo,
por mais que seus inimigos duvidem, ele se define como não sendo nem de
esquerda nem de direita. Se declara um libertário franco-atirador que se guia
por sua consciência. Conclui Juremir: "a
esquerda brasileira é cheia de defeitos.
A direita consegue ser bem pior. Veríssimo compreendeu isso muito antes
de mim, sou mais lento..."
Este é o ponto
que eu queria chegar, por também sofrer na pele suas consequências: quem é um
libertário franco-atirador, que critica todos os lados, numa época em que a
esquerda é que está no poder, acaba dando munição para os reacionários da
direita que nos tomam por seus aliados de oposição. Foi o que aconteceu, por
exemplo, com a minha criticada posição (tida
como despolitizada) de declarar o meu “Voto
Útil pra não haver o Segundo Turno” na eleição municipal de 2012, por não ter diferenças significativas entre Fortunati (PDT), Manuela (PCdoB) e Villa (PT): “Gostaria muito de ter a pureza de poder
acreditar, mas não tenho mais o dom de
me iludir com a política partidária. Contudo, o importante é conseguirmos
politizar sem prepotência ou sectarismos ideológicos e, principalmente, polemizarmos
sem perdermos a ternura jamais uns com os outros (como dizia o poeta Che
Guevara).”
Assim, no meio
de grosso fogo cruzado entre monstros
sagrados (Oscar Niemeyer x Ferreira Gullar), e pisando no campo minado da
guerra de guerrilhas dos melhores colunistas do jornalismo gaúcho (Veríssimo x
Juremir), como um cronista amador que sou, mero blogueiro, como eles também
padeço da orfandade das utopias socialistas que ficaram soterradas nos
escombros da Queda do Muro de Berlim e foram cremadas com a ascensão do neo-PeTismo
ao poder. Ser um libertário franco-atirador é não ser crente nem cético, é ser
agnóstico, é continuar acreditando pela perspectiva de esquerda que “Um outro mundo é possível”, um
mundo com justiça social e solidariedade entre os povos. Mas ser um libertário franco-atirador
é também assumir a solidão de não pertencer a nenhuma tribo organizada, é
tornar-se alvo universal de esculachos vindos de todas correntes de pensamentos
políticos que ainda vagueiam como fantasmas da extinta “Cortina de Ferro”,
cujas ideologias dividiam o mundo em dois blocos antagônicos com o slogan: Quem não está
comigo está contra mim!...
Ser um
libertário franco-atirador é como ser um indígena do povo Maia, ser alvo de
piadas por quem não entendeu sua profecia de fim do ciclo de consumismo egoísta
neste mundo no final de 2012, e continuar acreditando que se inicia em 2013 um
novo estilo de vida humana ecologicamente sustentável neste planeta, no que
restou do velho mundo apesar de suas ideologias e religiões depredadoras.
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