NOVAS FORMAS DE LUTAS SOCIAIS

         Temos visto movimentos sociais fantásticos pelo mundo afora, especialmente os possibilitados graças à  globalização do mundo em redes de relacionamentos pela internet. Temos visto revoluções e guerras civis repentinas em pleno mundo árabe muçulmano, onde nada mudava a milênios; temos visto até levantes de protestos espontâneos  dos  jovens “Indignados” no coração da União Européia, lutando por democracia real no Velho Mundo.
              No Novo Mundo temos visto enfretamentos de estudantes com as forças militares no Chile, por mais verbas para a educação no país; temos visto, ainda que timidamente, brasileiros marcharem contra a corrupção, num movimento apartidário, em plenas datas cívicas de 7 e 20 de setembro: Agora Chega de Corrupção!
           Inclusive aqui, no extremo sul da América, na capital do pampa gaúcho, temos visto o Movimento dos Capacetes Brancos, em que os Engenheiros, Agrônomos e Arquitetos da Prefeitura de Porto Alegre levantam a cabeça e fazem “capacetaços” em atos públicos para protestarem pela não implantação da Verba de Responsabilidade Técnica (VRT), que visa a equiparação salarial da classe com os Procuradores do Município.
         A exemplo dos demais movimentos citados, que estão se proliferando ao redor do planeta, os Capacetes Brancos da Prefeitura também se articulam pela internet e atingiram um grau de mobilização inédito na categoria, conseguindo implantar objetivamente novas ações de lutas, tais como: Operação Liberação Zero (não liberar: trâmites administrativos, processos, aprovações, licenciamentos, vistorias, fiscalizações, contratos, medições, habite-se, etc.); Operação Não Comparecer (não comparecerem em Reuniões, Conselhos, Grupos de trabalho, etc.); Não Atendimento de Telefone Funcional (fora do horário de expediente e, em algumas datas pré-estabelecidas pelo movimento, não atender telefones também dentro do horário de expediente); Atos de Capacetaços (preferencialmente em eventos públicos de comparecimento do Prefeito). Isso tudo em véspera de Copa do Mundo na cidade, de muitos projetos e obras, tem força de pressão!
        Esta semana os Capacetes Brancos conseguiram arrancar do governo uma proposta concreta e abrangente: A remuneração seria composta de uma parte fixa mais uma parte variável. A parte fixa seria composta hoje pelo valor da GIT (que será extinta) mais o valor correspondente ao abono ( R$ 500,00). A parte variável seria composta pelo atendimento as metas (institucional + meta individual). Ficou em aberto ainda definir o teto da parte variável. 
     Finalmente o governo acatou abranger também os inativos: Os aposentados receberão integralmente essa gratificação (fixo + variável, considerando a parte variável como cumprida em 100%) desde que estivessem no cargo nos últimos dez anos.         
- Valeu, agora poderei esperar a portaria da minha aposentadoria em paz!
          Mas a grande vedete das novas formas de lutas sociais é a da tática do Movimento dos Sem Terra (MST), agora incorporada pelos próprios membros da Brigada Militar, seus institucionais algozes, de fazer queimas de pneus nas estradas, mas sem piquetes, deixando apenas uma faixa no local identificando o movimento.

        Descontentes com os salários, policiais iniciaram uma série de protestos com queima de pneus em rodovias gaúchas no início de agosto, com bonecos fardados de brigadianos em inusitadas situações (inclusive enforcados!). Mais de 64 casos de queima de pneus foram registrados nas estradas por todo o Estado, com alguns bloqueios das vias.
- Não queremos nada além do que nos foi prometido em campanha: o piso nacional (R$ 3,2 mil). Queima de pneu é só o início, o próximo passo é bloquear a circulação mesmo, gritavam as faixas dos PMs.
– Não podemos aceitar medidas radicais e dessa magnitude. Já ultrapassou os limites, resmungava o governo na TV e nos jornais.
         A sociedade gaúcha viveu uma manhã caótica em decorrência dos protestos dos policiais no centro de Porto Alegre, quando um boneco fardado amanheceu, no viaduto Otávio Rocha, a 230 metros do Palácio Piratini. Pendurado no pescoço do fantoche estava um artefato, supostamente explosivo, o que forçou o Grupo de Ações Táticas Especiais da BM a isolar a área.O protesto clandestino por melhores salários para PMs não era uma bomba, apenas um simulacro grosseiro de papelão e fios de cobre. Mas, até se certificarem disso, policiais bloquearam o trânsito na  Duque de Caxias e na Avenida Borges de Medeiros. Foram duas horas de expectativa e transtornos, até o boneco ser retirado.
– São atitudes marginais, atitudes de marginais são tratadas em inquéritos policiais, esbravejou o governador Tarso Genro com ira.
         Enquanto as investigações militares sobre a autoria das manifestações incendiárias seguia devagar por estar mostrando bom resultado em pressionar o governo, a cúpula da Segurança apostava na conciliação, pois os oficiais também buscam uma equiparação salarial com os cargos de nível superior da Justiça (ao de delegado).

            Se os PMs não forem atendidos, os protestos podem continuar de outras formas, argumentavam as lideranças, inclusive com a possibilidade que se coloque apenas 30% do efetivo nas ruas. Outra possibilidade cogitada foi a de constranger o Piratini com um desfile de policiais esfarrapados no 20 de Setembro. É um “movimento pela legalidade”, desativaremos as viaturas com peças danificadas ou com impostos atrasados.
– A maioria dos policiais compra os próprios coturnos. Nossos coletes à prova de bala estão vencidos. Só podemos protestar por melhores condições de trabalho.
       Depois de dois meses medindo forças pelo confronto, o governador Tarso Genro dobrou o queixo e decidiu negociar um acordo, ressaltando que a sua proposta (reajuste de 23,5% para soldados, de 18,15% para os sargentos, e de 10,5%. para os tenentes) fará com que os policiais gaúchos não tenham mais a pior remuneração do país.
– Não respeitamos aqueles que, na clandestinidade, estão bancando ninjas e queimando pneus.
         Queimar pneus em lugares incertos deixando sua mensagem para criar um fato político com repercussão na mídia, foi uma forma inovadora e audaciosa de luta social da categoria dos trabalhadores da segurança pública militar gaúcha, convenhamos!
        É possível que o movimento da Brigada Militar também tenha se utilizado das redes sociais na internet para articular suas ações pelo interior do estado, mas o certo é que ainda não basta apenas mobilizar e incitar os revoltosos pela rede, ainda é necessário o velho e bom combate tático de enfrentamentos de forças nos limites democráticos, ou nos limites extremos dos revolucionários casos da Líbia e da Síria.

           Como sou ex-militante sindical e partidário, gosto de ficar observando as novas ferramentas que estão sendo introduzidas nas velhas e eternas lutas sociais. Fico analisando e vibrando com suas eficiências, quer frente ao prefeito ou ao governador, nas nossas lutas imediatistas salariais, bem como nas lutas sociológicas de classes, frente aos Kadafis desse mundo afora, estes sim, verdadeiros ninjas da guerra civil.

CRÔNICA DA FALTA DE ASSUNTO


        Quando o meu blog “Diário de Obra de Um AposentaNdo” completou um ano de existência, em fevereiro/2011, comentei que estava impressionado com o fluxo inesgotável da vertente de inspiração que sempre fazia brotar diariamente novos temas e idéias de textos para as postagens no blog.
         O blog que desenvolvi tem um tema central, que é a aposentadoria, e um publico alvo preferencial, que são os colegas de trabalho, a categoria dos municipários de Porto Alegre. Os acessos ao blog iniciaram tímidos, na ordem das dezenas; aos poucos subiu para além de uma centena no primeiro semestre, até fechar o ano com a marca de 700 acessos mensais, totalizando no primeiro aniversário do blog 3.700 visitas. Em 2011 o blog continuou crescendo, fechou o primeiro semestre superando a marca dos 950 acessos mensais e totalizando mais de 8.000 visitas. Agora, em meados de setembro, já conta com mais de 9.300 acessos. Uau!...


        Convenhamos que o blog Diário de Um AposentaNdo, com apenas um ano e meio de vida, também é um fenômeno surpreendente, mesmo não sendo de nenhuma Bruna Surfistinha (que dispunha de habilidades e atributos incomparáveis em seu blog!). Com certeza obtive mais leitores do que poderia imaginar obter há pouco tempo atrás, antes do advento da internet, especialmente com a ferramenta do mundo maravilhoso dos blogs.
       Assim, com 115 postagens nos primeiros 12 meses, produzi cerca de 10 matérias por mês, numa média superior a dois textos por semana. Foi realmente um ano de grandes colheitas literárias. Paradoxalmente, ao longo de 2011, enquanto os acessos cresciam o número de postagens foi caindo. Ao ver se esgotarem as minhas reservas de escritos prontos para serem publicados no blog, por falta de fôlego literário estipulei que postaria apenas um texto por semana, mas com o álibi de que é pra não sobrecarregar demais os meus leitores. Mas nunca menos do que isso, para não perdê-los!

            O dia de colocar matéria nova no blog é nas quintas-feiras, que é pro pessoal ter a opção de deglutir no final de semana. O problema é que quinta feira é hoje e ainda não consegui pescar nenhuma temática nova nos meus “vôos de gaivota”, ou seja, nas buscas que nós cronistas fazemos nas notícias quentes do jornal ou nas rotinas mornas do cotidiano que podem ser aquecidas literariamente.
          O bloqueio de criatividade ocorre com qualquer redator para periódicos, até com os mais consagrados, e todos acabam recorrendo à antológica saída do mestre do gênero, Rubem Braga, que consiste em fazer um texto comentando a falta de assunto, como eu fiz aqui, e concluir: Desconfio que fiz uma crônica.
Assunto Destaque do mês:
          As fotos desta postagem são do dia 02/set, quando realizamos o prometido “churrasco da minha despedida” do pessoal de campo da Divisão de Manutenção, organizado pelo Fernando Ouriques (que é o festeiro oficial da DVM), com uma deliciosa costela assada pelo Índio, que é especialista no assunto.
-Valeu pessoal por todos estes anos de convívio e humano aprendizado!
( Não esqueçam de mim, me convidem para os próximos churras.)

A ESTÉTICA DO FRIO: MAIS DE 30 ANOS DE MÚSICA NA REITORIA

          O Projeto Unimúsica  da UFRGS está comemorando 30 anos; foi criado em 1981 com a proposta de abrir um espaço de amostragem para a produção musical. A ideia cresceu rapidamente e possibilitou o surgimento, na década de 80, da chamada Geração Unimúsica, da qual fizeram parte artistas como Nelson Coelho de Castro, Vitor Ramil, Totonho Villeroy, Nei Lisboa, entre outros.
       A programação  comemorativa dos 30 anos do projeto se estendeu desde julho e vai até dezembro, com a participação de Zélia Duncan, Vitor Ramil, Egberto Gismonti, Ná Ozzetti e Renato Borghetti, entre outros.
          
Unimúsica é como uma rede que abriga e embala um grande número de pessoas ligadas entre si por uma experiência comum. Tanto é assim que me encontrei, no show do Egberto Gismonti, com o amigo dmaeano Júlio Brum, e ficamos lembrando de memoriáveis shows que cada um de nós tinha experienciado naquele mesmo palco da Reitoria, no antigo Projeto Seis e Meia ou no Projeto Pixinguinha.
O Egberto Gismonti acompanhado da Orquestra de Câmara do Teatro São Pedro foi um espetáculo pra lavar a alma de música brasileira, com a sua genialidade de virtuoso no piano. Houve um tempo, até o final do século passado (cruzes, como estou velho!), em que havia espaço para a música instrumental no cenário da música brasileira, e o próprio Egberto Gismonti era  um ídolo popular, produzindo discos de sucesso junto à juventude.
É sensacional ouvirmos música de orquestra e sentirmos a sua brasilidade contemporânea, sem perder o sotaque do legado clássico e folclórico de Vila Lobos, contendo a  negritude dos chorinhos do Pixinguinha e ainda agregando as contribuições dissonantes de Hermeto Pascoal e Sivuca, mesclado com o jazz harmonioso do Tom Jobim.

              Egberto Gismonti é tudo de bom junto, incluído e  misturado com muita criatividade. Foi um privilégio desfrutar de sua presença luminosamente musical!
           Encucado, depois do show, fui pesquisar informações para clarear a memória sobre os três diferentes projetos musicais que vivenciamos na Reitoria, não só o Júlio, a Amagdha e eu, mas grande parte da população portoalegrense, ao longo de mais de 30  anos. A internet é uma maravilha para organizarmos mentalmente o passado da vida da gente, pois tem a história ao alcance da mão:
          Projeto Pixinginha & Projeto Seis e Meia - o Projeto Pixinguinha tinha como inspiração o Projeto Seis e Meia, que desde 1976 lotava o Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, com espetáculos acessíveis e um horário que coincidia com o fim do expediente da população que circulava pelo Centro da cidade. O Projeto Pixinguinha foi criado em 1977 pela Funarte em parceira com as Secretarias de Cultura Municipais e Estaduais, e foi interrompido 20 anos depois por falta de verba.

Através do Projeto Pixinguinha (às seis e meia), diversas cidades brasileiras puderam assistir a espetáculos de grandes artistas da música popular, como os veteranos Cartola, Jackson do Pandeiro e Marlene, os iniciantes Marina Lima, Djavan e Zizi Possi e ainda Edu Lobo, João Bosco, Nara Leão, Paulinho da Viola, Alceu Valença, Vinícius com Toquinho e Maria Medalha, e muitos outros. A iniciativa foi um grande sucesso, com teatros repletos pelo país e desdobramentos como discos e programas de TV e rádio.
No primeiro ano do Projeto Pixinguinha, nenhum espetáculo teve tanto público quanto o de Marlene e Gonzaguinha. Do Rio de Janeiro a Belo Horizonte, passando por São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, foram 24.372 espectadores aplaudindo o show que, montado originalmente para o projeto Seis e Meia (como todos os outros do ano de estreia do Pixinguinha), inflamou plateias lotadas nos teatros em que se apresentou naquela temporada de 1977. Eu vi: Valeu Gonzaguinha!
O outro show que fui assistir da programação dos 30 anos do Unimúsica, todos gratuitos mediante a doação de 1 quilo de alimento não perecível, foi o do Vitor Ramil - “Délibab (Ilusão do Sul) ” que é um disco de milongas inspirado nos poemas do argentino Jorge Luis Borges e do poeta pampeano alegretense João da Cunha Vargas. Ramil vai mais longe: “O álbum marca também a posição da milonga como música popular brasileira”.
O Ramil fez um brilhante texto filosófico curtinho (coisa que eu nunca consegui produzir nos meus anos do curso de filosofia na UFRGS), contido num livreto que eu comprei na entrada no Salão de Atos da UFRGS, com o pomposo título: A Estética do Frio – Conferência de Genebra. Resumindo a conferência, que o cara apresentou em 2003 na Suíça (sei lá porque lá!), o Ramil conta que estava em Copacabana suando e tomando chimarrão, quando viu no TV o carnaval fora de época do nordeste, com as pessoas derretendo. Depois passou na TV o frio e os campos com geada no RS. Ele pensou: nada a ver o carnaval, tudo a ver o frio!
Entretanto os nordestinos estão sempre inovando com suas músicas, enquanto a nossa está encarcerada pela doutrina do gauchismo e encarangada pelo frio. Pensou com seus botões: Como seria a expressão livre da estética que nos une no sul e nos diferencia do resto do país? Ora, concluiu o pensador de Pelotas, a milonga!  A milonga já era algo que ele curtia inconscientemente antes, aí se jogou neste filão de cantar a milonga como essência da estética triste do frio da terra dos pampas, los gauchos riograndenses, uruguaios e argentinos. Em contraposição às músicas alegres do Brasil tropical que promovem a festa, a estética do frio provoca a introspecção.
Pra mim, que sou de São Diogo (ou San Diego), terra da campanha fronteiriça com o Uruguai, no fim do mundo entre Herval, Pedras Altas, Jaguarão e Bagé, que com orgulho até hoje não existem nos mapas as veredas que conduzem até lá, a milonga faz brotar recuerdos das raízes e ancenstrais...
            É isso, foi um baita show da estética do frio numa noite fria de agosto na Reitoria da UFRGS!
         Como uma coisa puxa a outra na memória da vida da gente, é bom resgatar que este trabalho com a poesia e música do regionalismo riograndense, feito com abordagem pop e contemporânea da Estética do Frio é, na verdade, um legado da família  do Vitor Ramil, iniciado muito tempo atrás pelos seus irmãos Kleiton e Kledir. Pelos acasos da vida, no início dos anos 70, fui assistir a um Amostra de música no Teatro São Pedro dos alunos do Cursinho Pré-Vestibular IPV do Professor Fogaça, onde presenciei o lançamento de várias músicas dos garotos que formariam os Almôndegas e do próprio Vento Negro, que seria um grande sucesso do grupo.
Aliás, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, através da Coordenação de Música da Secretaria Municipal da Cultura, homenageou a dupla Ramil com a menção especial do Prêmio Açorianos de Música 2010. O prêmio está em sua vigésima edição e é o mais importante da categoria no Rio Grande Sul. Os Homenageados do Ano, pelo conjunto da obra, foram Kleiton & Kledir, que apresentaram definitivamente para todo Brasil a nova música produzida pelos gaúchos. Eternizaram nosso sotaque diferente, nossa maneira própria de falar e cantar, com termos até então desconhecidos fora daqui, como “deu pra ti” e “tri legal”. Acabaram se transformando em símbolos do gaúcho contemporâneo, do homem moderno do sul do país, o que fez com que recebessem o título de “Embaixadores Culturais do RS”.
Woodstock...
De fato a música foi como uma rede que abrigou e embalou um grande número de pessoas ligadas entre si por uma experiência comum...enquanto os últimos 40 anos escoaram por entre os dias que contam a vida da gente.
-Fiquem ligados que ainda restam alguns ingressos do POA EM CENA, corram!

O LEGAL DA LEGALIDADE

       Foi preciso esperar que morressem Jango (+1976) e Brizola (+2004), para que pudéssemos começar a tratar dos acontecimentos históricos da Campanha da Legalidade, sem a viseira estreita das facciosas propagandas partidárias. Pense bem, como é que os figurões dos outros partidos políticos iriam reconhecer as façanhas do fundador de um partido concorrente? Reconhecer que o Brizola deve ocupar um lugar destacado na galeria dos heróis gaúchos, quiçá nacional, seria como “se entregá pros home de mão beijada”, pensam os caciques partidários.
       Agora, tanto faz, pois Brizola não deixou sucessores políticos de vulto para usufruírem de suas glórias de tardias condecorações. O importante é que estamos resgatando esta figura lendária, cujo espírito gaudério, mesmo ameaçado pelo cerco do exército, não se deixou silenciar. Pelo contrário, botou a boca no microfone da Rádio Guaíba que foi instalada nos porões do palácio: "Ninguém dará o golpe por telefone. O Rio Grande não aceita o golpe e a ele não se submeterá".

             Brizola, por sua atuação na Campanha da Legalidade se consagrou como um grande líder gaúcho de massas, ao conseguir mobilizar o seu povo para uma luta que parecia quase suicida, fazendo com que a população se dispusesse voluntariamente a lutar e morrer pela Legalidade Constitucional, ou seja, para que assumisse a presidência do país o Vice-presidente Jango, após a renúncia já com intenções golpistas do maluco Jânio Quadros.
         O legal da Legalidade são as emoções próprias da metade do século passado, no auge da guerra-fria, quando as pessoas ainda eram capazes de matar e morrer por ideias e ideologias. Eram tempos conturbados aqueles. Getúlio Vargas teria se suicidado em 1954 para impedir o golpe das forças reacionárias da UDN (União Democrática Nacional), que foi um partido político brasileiro liderado pelo Carlos Lacerda – O Corvo. Está tudo na Wikipédia: A UDN tentou impugnar o resultado da eleição de Juscelino Kubstchek, sob a alegação de que Juscelino não obteve vitória por maioria absoluta dos votos (obteve 36% em turno único entre vários candidatos). A posse de Juscelino e do vice-presidente eleito João Goulart só foi garantida com um levante militar, em 1955, que depôs o então presidente interino da República Carlos Luz da UDN (Café Filho, que havia assumido a presidência após o suicídio de Vargas tinha sofrido enfarte e estava afastado da presidência). Assumiu a presidência o presidente do Senado Federal, Nereu Ramos, do partido de JK. O Brasil permaneceu em estado de sítio até a posse de JK em 31 de janeiro de 1956. É, caros leitores, as transições de governo eram traumáticas naqueles tempos!
          O legal da Legalidade, que agora foi instituída como uma data oficial no calendário das comemorações cívicas e escolares de eventos do governo estadual gaúcho, é que o episódio nos reporta ao estudo e discussão do engendramento histórico da ditadura militar e de suas nefastas conseqüências posteriores na vida do povo brasileiro. Foram duas décadas (1964-1985) feitas de anos de chumbo, páginas que não podem ser esquecidas pelas novas gerações.
          Por exemplo, podemos pesquisar sobre a trajetória pessoal do João Belchior Goulart, que não é o cantor Belchior, mas o político mais conhecido como Jango, que foi ministro do trabalho de Getúlio Vargas. Jango, depois de ter sido vice do Juscelino (na ocasião obteve mais votos que o presidente eleito, pois as votações para presidente e vice eram separadas – que loucura!), foi reeleito como vice, desta vez do doido Jânio “da vassoura” para varrer os corruptos, uma espécie de Collor da época caçando marajás. Como vemos, o Jango era bom de voto, tinha cacife para ser o próximo presidente nas urnas.
        Mas não foi necessário. Jânio Quadros, numa manobra política esquizofrênica, surpreende a nação pedindo demissão do cargo, justo quando havia enviado seu vice Jango para visitar a China, lá no outro lado do mundo. Foi a deixa para as forças reacionárias golpistas saltarem que nem abutres na carniça da cadeira vaga do presidente, articulados mais uma vez pelo corvo Carlos Lacerda (que queria ser presidente a qualquer custo, mas também acabou cassado pela ditadura: bem feito!).
         Também é legal na Legalidade o clima de tensão e suspense em que se sucedem os acontecimentos. O governo golpista dos militares chegou a programar um ataque com aviões ao Palácio Piratini. A ordem era para matar o Brizola e todos os que estivessem com ele. No entanto, o ataque foi cinematograficamente sabotado pelo próprio pessoal de controle das forças armadas, com o III° Exército aderindo à Legalidade. Ainda não foi desta vez, pois o golpe militar articulado não contava com a resistência astuta levantada nas barricadas gaúchas pelo então governador Leonel de Moura Brizola. O avanço das baionetas do autoritarismo da ditadura militar foram adiadas por mais três anos, pois os milicos tiveram que engolir e bater continência para a Campanha da Legalidade que empossou na marra, pela força do direito, o “esquerdista” João Goulart do PTB como presidente do Brasil.
          Outro momento legal da legalidade é quando, finalmente em solo gaúcho, conduzido pela mão do Brizola para obter sua louvação, o Jango vai até a sacada do Palácio Piratini, onde o povo fazia vigília noite e dia, e não faz nenhum pronunciamento, apenas abana para a multidão em delírio. Os arranjos de cúpula para admitirem a sua posse e abortarem o golpe já tinham enviado na véspera o Tancredo Neves ao Uruguai, para selar o acordo de uma saída honrosa sem derramamento de sangue: Jango assumiria de boca calada e sob o regime parlamentarista! Jango havia prometido que não ia colocar mais lenha no fogo revolucionário do Brizola, que exigia o cumprimento da Legalidade sem negociações.
         Uma coisa legal da Legalidade é que, apesar do Jango ter tomado posse amordaçado pela emenda parlamentarista, ele conseguiu soltar esta mordaça revogando o parlamentarismo através de um plebiscito em 1963, que restituiu o presidencialismo no país. Empolgado, em março de 1964, data da realização de comício em frente à Estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, perante trezentas mil pessoas, Jango decreta a nacionalização das refinarias privadas de petróleo e a desapropriação de terras para a reforma agrária. Os conservadores fizeram parecer que ele era o bicho-papão comunista mostrando em suas garras a foice e o martelo. A oposição militar veio à tona para impedir que tais reformas se consolidassem, impondo finalmente o golpe militar, desta vez bem articulados com os políticos reacionários (Lacerda, Sarney, etc.) e sem possibilidade de mobilização das camadas populares da sociedade para uma reação nos moldes da Campanha da Legalidade em âmbito nacional.
         O mais legal da Legalidade é a figura jovem do governador Brizola com uma metralhadora dependurada no ombro e comandando as massas com sua voz sentida, saída do fundo dos porões e transmitida pela rede social das ondas de rádio, direto para os corações e mentes dos seus compatriotas. Belos tempos idealistas aqueles!
- Valeu Velho Briza!