Faz três anos e meio, foi pouco tempo depois de ter cruzado a tal linha para o lado da “melhoridade”, recém estava tentando assimilar o golpe de ter extirpado um câncer de próstata nesse rito de passagem, que fui brindado com a minha “mosca interna”. Desde então estava esperando uma inspiração para escrever sobre ela, até que o meu colunista favorito (meu ex-professor de jornalismo na PUC, por apenas duas aulas em substituição) publicou duas crônicas consecutivas sobre a chocante descoberta da sua “mosca volante”. Feito, pensei, eis o gancho: estou finalmente abrindo a pálpebra para tirar do armário do olho este cisco, assumindo de público que eu também tenho uma mosca que é invisível para o resto do mundo e que só se mostra para mim. Uma inimiga invisível.
Juremir Machado relata que: O fenômeno chama-se mosca volante ou descolamento vítreo posterior. Algo assim como um pedaço do olho soltando-se e indo boiar na gelatina ocular. Uma beleza! Aí perguntei: o que se faz? A resposta caiu na minha cabeça como um gol de bicicleta do Grêmio contra o Inter numa final de Libertadores da América: nada. Só acompanhar e se acostumar. Aí é que digo mesmo: uau! Quem sabe uma operação? Não. Laser? Não.
Apesar de ser muito comum nos míopes a partir de certa idade, nem todos tem ou terão a companhia íntima desta mosca metafísica, que só existe ao nosso olhar, mas a cada agraciado toca um tipo peculiar de mosca. A mosca do Juremir, segundo seu oftalmo, é uma moscona, bem no meio do olho direito. A minha também é no olho direito, mas não dá pra chamar de moscona, está mais para um fiapo de linha dobrado que tem uma ponta bem mais grossa que a outra, com trechos bem esfiapados. Eu também, seguidamente, me tapeava, limpava as lentes, esfregava as pálpebras e os cílios para espantar o bichano invisível.
O Juremir, novato no clube dos portadores de moscas, está ainda esbravejando: Como o ateu que, apavorado com a morte, entrega-se a Deus, espero que nos Estados Unidos exista solução para o meu caso. Aprendi com Sartre, lendo "As Moscas", que o destino de um homem está nas suas mãos. Eu não me conformo com a ideia de passar o resto da vida contemplando uma mosca. Exijo que os cientistas tomem uma providência. Ou trocarei Sartre por Camus: serei para sempre um homem revoltado, um existencialista moscão.
No início também fiquei revoltado com a resignação que o meu oftalmo receitava, mas fiquei completamente sem argumentos quando ele revelou que também tem a sua mosquinha de estimação, que convive muito bem com ela e que eu também seria bem feliz com a minha...
O olho culto do Juremir resgatou um famoso para o nosso clube, daqueles de figurar nas galerias de troféus (feito Falcão e Figueroa no Inter): o Munch, pintor norueguês cujo quadro mais conhecido é "O Grito", pois diz que o cara tinha moscas volantes no olho direito, o seu olho melhor. Elas surgiram quando ele estava com 67 anos de idade. Isso só aprofundou a sua tendência depressiva.
O curioso desta citação do colunista é que a mosca do Munch também é no olho direito, como as nossas, porém nele são “as moscas”, serão várias? Pobre Munch, ter um mosqueiro dentro do olho é de deprimir qualquer um.
Um outro aspecto mencionado na crônica do Juremir, que me chamou a atenção, é que as moscas se instalaram no “olho melhor” do Munch. Quis saber qual seria o meu olho melhor, fui pesquisar no histórico de um dos meus indicadores gerenciais de saúde-corpórea (vide gráfico: caquete residual do meu ofício de engenheiro). Verifiquei que o meu olho direito até que vinha sendo um pouquinho melhor nos meus quase trinta anos de dependência de lentes, mas após ultrapassar a linha que divide a vida em duas metades desiguais, os dois olhos estão igualmente ruins, estou usando lentes iguais em ambos os olhos, sendo que para perto é o dobro do que para longe.
O Juremir conclama a humanidade, em especial os cientistas, para uma cruzada contra esses "corpos flutuantes" que ficam boiando no olho da gente como um cabelo enrolado numa porção de gelatina de groselha. Pretende, cedo ou tarde, poder esmagá-la!
Estou mais conformado, talvez pela vantagem de eu não possuir um moscão e apenas um fiapo, com o qual finalmente aprendi a conviver. Aprendi até a brincar, contra a luz e de olhos fechados, movimentando a minha mosquinha para onde eu bem entender, através do controle remoto do globo ocular que ela não tem, só eu. É o game do volante da mosca volante, tente você também contra o sol deitado na praia!
Estou mais conformado, talvez pela vantagem de eu não possuir um moscão e apenas um fiapo, com o qual finalmente aprendi a conviver. Aprendi até a brincar, contra a luz e de olhos fechados, movimentando a minha mosquinha para onde eu bem entender, através do controle remoto do globo ocular que ela não tem, só eu. É o game do volante da mosca volante, tente você também contra o sol deitado na praia!
O meu oftalmo me deu uma notícia boa: com a velhice a tendência é estabilizar e até a regredir o grau das lentes. Obá! Mas há um porém...Chi! A opacidade do cristalino, ou seja, a pré-catarata já detectada nos meus olhos tende a disparar. Bosta de mosca! Em compensação...Oba! A catarata é facilmente(?) resolvida com uma cirurgia para trocar o cristalino do olho por uma lente artificial...Inheca! E tem mais, com a cirurgia o grau das lentes diminui bastante, até pode dispensar os óculos...Oba! Eu não nasci de óculos, eu não era assim...
Como de praxe, o cronista do Jornal Correio do Povo faz seu gancho literário se referindo à leitura sobre o tema em um dos seus idolatrados filósofos franceses, no caso, As Moscas do Sartre. Como eu ainda não li nada do estrábico Sartre (até por que ele não constava no currículo do meu incompleto curso de filosofia na UFRGS) e, como o meu ídolo no gênero de crônicas é o próprio jornalista, faço o meu gancho literário na sua ironia reclamatória: Não conheço um só grande livro nacional sobre as moscas. Temos, contudo, razões de sobra para falar delas. Talvez, graças à minha mosca, eu possa ser o primeiro brasileiro a ganhar o Nobel da Literatura.
Faço, pois, uso do título do livro O Senhor das Moscas, escrito por William Golding, inglês que já ganhou o Prêmio Nobel em 1983, para proclamar a nomeação do grande líder do nosso Movimento dos Portadores de Moscas Volantes (MPMV): Juremir, o Senhor das Moscas! Aquele que vai fazer um gol de lambreta a favor do Inter ao propagar “o grito” de cada um de nós do MPMV na mídia, aquele que mobilizará o mundo científico afim de que possamos esmagar as moscas volantes. O Senhor das Moscas vai tirá-las de nossas vistas!
Comentário do Senhor das Moscas:
Date: Sun, 29 May 2011 16:55:46 -0300
From: juremir@correiodopovo.com.brTo: cel-sol@hotmail.com
Subject: Re: O Senhor das Moscas Volantes
Que beleza, Celso. Abraços, Juremir
ta mais fácil eu ter esse título de senhor das moscas, porque convivo com mais de 100 em cada olho!!!
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