Uma figura que se tornou folclórica no imaginário do pessoal da manutenção foi o professor Cattini, que ministrou cursos de gerenciamento de manutenção para as chefias da DVM, lá pelos remotos anos noventa. Durante as aulas ele costumava fazer perguntas a um aluno aleatoriamente e, conforme o cara respondia, o professor fazia gestos de que estaria tocando violino...Com isto ele queria dizer que a resposta dada era um “solo de violino”, o que pra ele significava a popular “enrolação”, modernamente conhecida como “enrolation”.
Assim a expressão “tocar um violino” ficou consagrada na manutenção, sendo usada quando se quer elaborar ou responder algum parecer “espinhoso”, daqueles que é preciso dizer algo contundente sem deixar escrito mais do que o estritamente essencial para não melindrar nem se complicar.
Devido a esta minha vocação literária reprimida de escritor (que estou aproveitando para “soltar a franga literária” neste blog), cada vez mais fui assumindo esta função de “tocador de violino”, ou seja, de escrever textos por encomenda quando surgiam pepinos de grande porte que a manutenção precisava levantar a bola ou responder matando a jogada. Assim, acabei me tornando o tocador de violino oficial da DVM.
Esta semana caiu na minha mesa a encomenda de elaborar um texto para responder aos questionamentos da Ouvidoria da Prefeitura, em função de que um grupo de funcionários da DVM teria procurado refúgio lá, em defesa de suas vantagens que julgavam ameaçadas pelas reestruturações operacionais que estão sendo implantadas na Manutenção. Foi somente então, buscando me municiar de argumentos para elaborar a minha tocata de violino, que fui informado das pendengas que estavam rolando entre o “pátio” e os “gestores”; já que não estou mais na linha de frente de chefiar pessoal e sim na retaguarda como uma assessoria técnica. Sabia apenas que estava em andamento uma reestruturação nos regimes de turnos de trabalho (que pretendia a extinção do regime de turnos diurnos de 12hs de trabalho por 36hs de folga) e na composição das equipes de manutenção (tanto elétrica quanto mecânica) que passariam a ser mistas, ou seja, eletromecânicas.
A minha sinfônica violinística para a ouvidoria informava que houve a criação de uma comissão reunindo servidores da DVM, da Divisão de Recursos Humanos, da Diretoria Geral e da Consultoria Jurídica para a reestruturação dos regimes de horário de trabalho, visando melhor atender a população de Porto Alegre. Que a referida comissão reunida com representante do SIMPA decidiu que vão ser mantidas dez equipes em regime de turnos 12x36h de trabalho, sendo que oito equipes diurnas e duas noturnas; Seis das equipes diurnas em regime de turnos terão uma composição mista (eletricistas e mecânicos), e duas equipes serão constituídas genuinamente para serviços elétricos de alta e baixa tensão. Em regime de Trabalho Integral normal trabalharão seis equipes, sendo quatro equipes de composição mistas para atenderem preferentemente as Estações de Tratamento de Água (ETAs), e duas equipes constituídas genuinamente para serviços de mecânica pesada.
Concluo a tocada de violino sugerindo que a Ouvidoria pode depreender que a reclamatória apresentada pelos servidores resulta sendo uma precipitação compreensível, provocada pela ansiedade deles verem seus paradigmas de trabalho sendo objeto de um estudo de reestruturação operacional. Todavia, o procedimento de sucessivas rodadas de discussões tem mostrado que a questão está evoluindo para um projeto coletivo de melhoria contínua dos serviços de manutenção prestados pelos profissionais da DVM.
Mas cá entre nós, o resumo da história contada no popular e na perspectiva de um ex-sindicalista, é que como o pessoal que trabalha em turnos diurnos, em regime de 12x36, trabalha um dia e folga o dia seguinte, eles se tornaram biscateiros nos dias de folga e reforçaram assim significativamente a renda familiar. Havia, pois, dois bodes mal quistos colocados na reestruturação da DVM: o da extinção dos turnos diurnos e o de misturar elétrica com mecânica em turmas mistas que atendam qualquer tipo de serviço. O bode das turmas mistas já vem de longa data sendo apregoado e rejeitado pelo pessoal, os quais se articulam por pavilhões no pátio em defesa de seus interesses. De longe o bode dos turnos é o que mais federia se fosse mexido. Uma vez pressionados por duas proposições indesejáveis, as lideranças forçaram uma abertura de negociação, tencionaram por todas as frentes possíveis, a sindical e inclusive a da Ouvidoria, e acabaram aceitando o bode das equipes mistas para evitar o mal maior, o fedorento bode da extinção dos turnos diurnos.
A tradição de mobilização dos funcionários da DVM é notória e conhecida. Modéstia à parte, mas tem um pouco da minha contribuição nesta consciência de classe e espírito de luta coletiva, devido ao tempo em que eu atuava na militância sindical tendo como base o chão de fábrica da manutenção (vide foto dos velhos tempos de mobilização de pessoal rumo a uma assembléia sindical em carroceria de caminhão, valia tudo!). Vários diretores da DVM já ficaram com profundas olheiras tentando articular com o pátio e os pavilhões certas medidas antipáticas que precisavam implantar e, alguns, acabaram caindo do cargo nocauteados pelo movimento das massas, tal como eu próprio...É, eu já provei do meu próprio veneno!
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